O Vermelho e o Negro, de Stendhal

O pseudônimo Stendhal foi usado pela primeira vez em 1817, no livro Roma, Nápoles e Florença. Stendhal, na verdade, foi apenas um entre os muitos pseudônimos de Henri-Marie Beyle (1783 – 1842), o autor francês de um dos maiores clássicos europeus: O Vermelho e o Negro.

França, 1815 – 1830: período de restauração: era pós-Napoleônica. É nesse contexto que acontece a história de O Vermelho e o Negro, publicado em 1830. Tempos turbulentos numa França aflita e fervescente formada pelo mais alto nível de vida social e política.


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Julien Sorel é o protagonista de O Vermelho e o Negro. Filho de um pequeno burguês de uma província francesa, Sorel é altamente influenciado por Napoleão Bonaparte, seu ídolo mor. O problema é: o país vive numa era pós-Napoleônica e idolatrar Napoleão não é a melhor maneira de se conseguir boas coisas.

“Em meio a uma cidade de vinte mil habitantes, esses homens determinam a opinião pública, e a opinião pública é terrível num país que tem sua Constituição.”

Sorel quer fortuna. Este é a base do enredo da obra de Stendhal. Um dos personagens mais ambiciosos da literatura européia, Sorel almeja constantemente alcançar uma posição social elevada. Ele não se contenta em ser apenas o filho de um pequeno trabalhador. Sorel quer subir, subir e subir.

Hipocrisia. O protagonista de O Vermelho e o Negro precisa ser hipócrita para esconder sua idolatria por Napoleão Bonaparte. Omitir seus pensamentos mais liberais: só assim ele talvez possa conseguir alcançar altas posições sociais.

“- Quereis as honrarias do mundo – disse ele -, todas as vantagens sociais, o prazer de comandar, de zombar das leis e de ser impunemente insolente para com todos? Ou quereis a salvação eterna? Os menos adiantados dentro vós só precisam abrir os olhos para distinguir os dois caminhos.”

Vivendo entre contrastes, da inteligência à ingenuidade, Sorel vai da província até a cidade costurando os costumes franceses da época em meio a conflitos políticos e sociais.

É na alta sociedade francesa que Sorel quer estar. E é na carreira religiosa que ele enxerga o caminho para essa ascensão social, mesmo sem vocação alguma para o seminário.

Sorel deixa de lado a visão militar, o vermelho do sangue, e veste-se por completo, literalmente, de negro.

“De repente Julien parou de falar em Napoleão; anunciou o plano de se tornar padre, e passaram a vê-lo constantemente, na serraria do pai, empenhado em decorar uma Bíblia latina emprestada pelo cura. O bom velho, maravilhado com seus progressos, passava noites inteiras ensinando-lhe teologia. Julien exibia apenas sentimentos piedosos. Quem teria adivinhado que aquele rosto de mocinha, tão pálido e tão doce, escondia a resolução inquebrantável de se expor a mil mortes, contanto que fizesse fortuna!”

Estrategista? Calculista? Egoísta? Sorel é cândida ambição.

Dividido em duas partes, O Vermelho e o Negro conta a trajetória desse personagem que vai da justiça à injustiça sempre em busca da ascensão social. Um personagem psicológico que luta contra o que lhe convém e enfrenta a sociedade francesa com as armas que lhe cabem.

“Afinal, a arte de seduzir é o seu ofício; não pensa em nada além disso há mais de quinze anos, já que está com trinta. Não se pode dizer que lhe falta espírito, ele é astuto e perspicaz; o entusiasmo, a poesia são um impossibilidade em seu caráter; é um procurador; mais uma razão para que não se engane.”

O envolvimento de Sorel com duas mulheres, que acontece no decorrer da história, é elemento exemplificativo para a dúvida que Stendhal deixa ao leitor. Na vida desse protagonista, o que é sentimento verdadeiro e o que é camuflagem de interesses?

Fome, sede, cobiça. A ganância de Julien Sorel o faz crescer e subir. Mas assim como seu ídolo Napoleão, o soldado que veio de baixo e transformou-se no homem mais poderoso da Europa, Sorel pode estar a um passo de despencar.

“Se tiver a intenção de cortejar os poderosos, a perdição eterna está garantida. Poderá fazer fortuna, mas será necessário prejudicar os miseráveis, bajular o subgovernador, o prefeito, os homens importantes, e servir suas paixões: essa conduta, que em sociedade se chama “saber viver”, para um leigo pode não ser absolutamente incompatível com a salvação; na nossa condição, entretanto, é preciso optar; trata-se de fazer fortuna neste mundo ou no outro, não há meio-termo.”

Se tudo o que sobe, desce, O Vermelho e o Negro, com final surpreso, é obra reflexiva não só sobre a história da França recém-pós-Napoleônica, mas sobre a ambição do ser humano que vive de aspiração social.

“- Senhores jurados, o horror do desprezo, que acreditava poder enfrentar no momento da morte, me faz tomar a palavra. Senhores, não tenho a honra de pertencer à sua classe, veem em mim um camponês que se revoltou contra a baixeza de sua sorte. Não lhes peço nenhuma graça – continuou Julien, firmando a voz. – Não tenho ilusões, a morte me espera: ela será justa. (…) Mas, ainda que fosse menos culpado, vejo homens que, sem se deterem em tudo o que minha juventude pode merecer piedade, vão querer punir em mim e desencorajar para sempre essa classe de jovens que, nascidos numa classe inferior e de alguma forma oprimidos pela pobreza, têm a sorte de conseguir uma boa educação e a audácia de misturar-se ao que o orgulho dos ricos chama de boa sociedade. Este é o meu crime, senhores, e, na verdade, será punido ainda mais severamente por não ser julgado por meus pares. Não vejo nos bancos dos jurados nenhum camponês enriquecido, mas apenas burgueses indignados…”