Vitória, de Joseph Conrad

Nascido em uma Polônia ocupada pela Rússia, mas de nacionalidade britânica, Joseph Conrad (1857 – 1924) foi um escritor do mar. Suas obras navegavam entre águas.

As histórias de Conrad, inspiradas em suas experiências marítimas, mergulhavam sob ondas psicológicas, visitavam ilhas espalhadas pelo oceano, travavam batalhas de piratas e marinheiros. Tudo isso ancorado em um porto de enredos profundos.

Conrad foi um capitão da literatura marítima.


Compre na Amazon: http://amzn.to/2pIzAbn


Publicado em 1915, em meio a primeira Grande Guerra, Vitória é angra de temas como a solidão, o inconformismo com o mundo e a busca pela esperança.

A obra conta a história de Axel Heyst, um sueco que, após sofrer o baque do fracasso de um empreendimento comercial na Malásia, decide isolar-se do mundo. Para isso, o protagonista de Vitória escolhe uma ilha nos mares do sul asiático.

Em total isolamento, em uma cabana na ilha de Samburan, Heyst, que desacreditava no mundo, um lugar onde, para ele, só havia dor e ilusão, opta pela vida em solidão.

Por entre suas viagens marítimas, o personagem encontra Lena, uma jovem violinista maltratada por seus patrões. Com instinto de proteção, e certa atração pela moça, Heyst assiste ao rompimento do distanciamento que mantinha do mundo e da sociedade.

Em uma isolada ilha no sul da Ásia, ao perigo de ladrões astutos e gananciosos, acontecem paixões, compaixões e ambições. Quando tudo o que queria era a distância total do mundo, Heyst acaba por enfrentar grandes conflitos.

O livro, que levou dezenove meses para ser escrito, traz, em suas profundezas, os dilemas de um homem em crise de identidade. Melodramático e muito bem escrito, Vitória é uma navegação reflexiva.

Onde está a bonança entre a vontade de se distanciar do mundo e o impulso de mergulhar nele? Onde há o equilíbrio entre as fortes ondas que atingem a beira-mar da vida?

“Uma ilha nada mais é do que o topo de uma montanha. Encarapitado inabalavelmente sobre ela, Axel Heyst não tinha ao seu redor o imponderável oceano transparente e tempestuoso das grandes águas que abraçam os continentes deste planeta. Suas visitantes mais frequentes eram sombras: as sombras das nuvens, que aliviavam a monotonia da meditativa e inanimada alvorada dos trópicos.”

Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar

Vencedor do Prêmio Camões no ano passado (2016), o escritor brasileiro Raduan Nassar, hoje com 81 anos de idade, é comparado pela crítica a grandes nomes da literatura brasileira, de Clarice a Guimarães. O motivo: a qualidade linguística e poética de sua narrativa.

Nascido em Pindorama (SP), Raduan Nassar estreou no meio literário em 1975, com a publicação de Lavoura Arcaica. Depois, em 1978, lançou Um Copo de Cólera, escrito em 1970. Menina a Caminho, sua terceira e até então última obra publicada, uma reunião de contos dos anos 1960 e 1970, foi lançada em 1997.


Compre na Amazon: http://amzn.to/2pOQzpp


Lavoura Arcaica, o primeiro romance de Raduan Nassar, traz a história de uma família de trabalhadores rurais, tradicionalmente cristã, que sobrevive pela figura autoritária do pai.

O enredo arcaico é narrado, em primeira pessoa, por André, um dos três filhos da família rural, que resolve abandonar a vida do interior e ir morar em outra cidade. Um modo de fugir da autoridade do pai, da sofrida rotina da lavoura e de uma delicada e dramática paixão.

“E quando acontece um dia de um sopro pestilento, vazando nossos limites tão bem vedados, chegar até as cercanias da moradia, insinuando-lhes sorrateiramente pelas frestas das nossas portas e janelas, alcançando um membro desprevenido da família, mão alguma em nossa casa há de fechar-se em punho contra o irmão acometido.”

A narrativa existe pelo encontro de André e Pedro, o irmão mais velho. É neste encontro que o personagem conta as suas razões para sair de casa, fala sobre sua relação com a rigidez paterna e admite sobre o seu amor proibido.

Convencido pelo irmão a voltar para casa, André retorna ao lar, mas a insatisfação daquele ente que sempre pareceu ser o avesso de sua linhagem, permanece nos diálogos familiares.

“Já de pé, e olhando para o chão, e sofrendo a densidade da sua presença diante de mim, senti num momento suas mãos benignas sobre minha cabeça, correndo meus cabelos até a nuca, descendo vagarosas pelos meus ombros, e logo seus braços poderosos me apertavam o peito contra o seu peito, me tomando depois o rosto entre suas palmas para me beijar a testa.”

Novelesco e altamente lírico, Lavoura Arcaica é uma pedra preciosa da linguagem literária. O enredo e a narrativa de Raduan Nassar entram em perfeita sintonia em uma obra que, em suas misteriosas artérias, é não apenas uma crítica social, mas também um jeito de tratar da busca insana pela satisfação de desejos comportamentais.

Afrontamento e saciação. Lavoura Arcaica é uma pincelada, aparentemente leve, mas obscuramente densa, de prazer poético.

“Desde minha fuga, era calando minha revolta (tinha contundência o meu silêncio! tinha textura a minha raiva!) que eu, a cada passo, me distanciava lá d fazenda, e se acaso distraído eu perguntasse “para onde estamos indo?” – não importava que eu erguesse os olhos, alcançasse paisagens muito novas, quem sabe menos ásperas, não importava que eu, caminhando, me conduzisse par regiões cada vez mais afastadas, pois haveria de ouvir claramente de meus anseios um juízo rígido, era um cascalho, um osso rigoroso, desprovido de qualquer dúvida: “estamos indo sempre para casa”.”

O Menino no Espelho, de Fernando Sabino

O Menino no Espelho é como se fosse um relato, em forma de livro, das aventuras que Fernando Sabino viveu na infância. Lembranças cheias de histórias, histórias cheias de lembranças.


Compre na Amazon: http://amzn.to/2p4MVHk


Fernando Sabino (1923 – 2004) publicou seu primeiro livro, Os Grilos Não Cantam Mais, quando era adolescente. A partir de então, escreveu dezenas de obras que se tornaram clássicos da literatura nacional. Entre elas: O Encontro Marcado, A Faca de Dois Gumes e O Menino no Espelho, publicado em 1982.

O Menino no Espelho é uma coleção de histórias sobre a infância do escritor mineiro. Tudo, porém, com um toque de ficção.

As memórias contidas, contadas e ilustradas no livro são lembranças vividas pelo autor misturadas a cenas do imaginário vivaz de Sabino.

“Um calafrio me corre pela espinha, arrepiando a pele: há alguém vivo dentro do espelho! Um outro eu, o meu duplo, realmente existe! Não é imaginação, pois ele ainda está sorrindo, e sinto o contato de sua mão na minha, seus dedos aos poucos entrelaçarem os meus.”

O Menino no Espelho retrata a imaginação que fervilhava na mente de Fernando Sabino. Isso é traduzido no encanto da infância relatada no livro.

Uma infância sem internet, em um tempo em que as crianças brincavam na rua, no quintal, na casa da árvore. Tudo nos pequenos detalhes, sempre captados pelo olhar infantil.

Com uma linguagem extremamente simples e envolvente, O Menino no Espelho nos leva para dentro da mente da criança. A criança que duvida, que imagina, que desafia e que se aventura nesse momento que é um dos mais bonitos da vida: a infância.

“Pensei em experimentar outros milagres: ler o pensamento das pessoas, adivinhar o futuro, voltar ao passado, enxergar através das paredes, diminuir ou aumentar de tamanho como Alice no País das Maravilhas, ouvir de longe o que os outros falavam, ver à distância como um binóculo, enxergar micróbios como num microscópio, ter a força do Super-Home, e outras coisas fantásticas que sempre senti vontade de fazer.”

Dividido em pequenos capítulos, O Menino no Espelho diverte com os episódios da vida de um menino que poderia ser qualquer um de nós. Quem nunca se olhou no espelho e perguntou: o que eu quero ser quando crescer?

O bom mesmo é crescer com o eterno reflexo da nossa infância.

“Era uma galinha branca e gorda, que não me deu muito trabalho para pegar. Foi só correr atrás dela um pouco, ficou logo cansada. Agachou-se no canto do muro, me olhou de lado como as galinhas olham e se deixou apanhar.

Não sei se percebeu que eu não ia lhe fazer mal. Pelo contrário, eu pretendia salvar a sua vida. O certo é que em poucos minutos ficou minha amiga, não fugiu mais de mim.

– O seu nome é Fernanda – falei então. E joguei um pouquinho de água na cabecinha dela: – Eu te batizo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, amém.”

O Menino Feito de Blocos, de Keith Stuart

O Menino Feito de Blocos é uma história de família, amor e autismo – exatamente como descreve a orelha do livro. Não é a história de um menino autista, e sim do pai dele.

O Menino Feito de Blocos é a história de um pai e de uma vida construída sobre as pequenas coisas. Uma história de como tudo pode mudar com as pequenas grandes coisas da vida.


Compre na Amazon: http://amzn.to/2pgQc5K


O Menino Feito de Blocos acompanha Alex, um marido que está passando por uma separação experimental, um pai de um menino autista, de oito anos, chamado Sam.

Alex tem muitos problemas na vida. Além da fase atual, da separação, uma crise de identidade e um certo problema com o passado parecem empecilhos no andamento de sua vida. Mas o maior problema de Alex está no relacionamento com o seu filho.

“E, sim, o diagnóstico foi um alívio. Enfim, um nome para o problema! Quando ele grita e se debate a caminho da escola; quando se esconde debaixo da mesa em restaurantes; quando se recusa a abraçar ou a cumprimentar parentes, amigos ou qualquer um que não seja a Jody, é autismo. O culpado é o autismo. (…) Mas rótulos só funcionam até certo ponto. Não ajudam você a dormir, não impedem que fique com raiva e frustrado quando alguma coisa é atirada em você, ou quando algo é quebrado. Não impedem que você tema pelo seu filho e pela vida dele; pelo que vai acontecer com ele daqui a dez anos, ou vinte, ou trinta. Por causa do autismo, não somos eu e Jody. Somos eu, Jody e o problema do Sam. É essa a sensação que dá. Mas eu não posso dizer isso. Não posso nem pensar isso.”

Quando tudo vira de cabeça para baixo, Alex finalmente entende que é preciso fazer algo para se aproximar de Sam. E é aí que o videogame entra na vida deles.

Sam começa a jogar Minecraft, um jogo que permite construir um mundo inteiro usando blocos. Um jogo capaz de mudar a vida de Sam, e de Alex, que descobre a porta para entrar no mundo do filho.

“Conforme jogamos, nos entranhamos cada vez mais naquele mundo, até dar a impressão de que ele compõe tudo à nossa volta. De alguma forma, perdemos a noção de que isso é uma tela; não estamos mais controlando personagens digitais em um ambiente computadorizado. Somos nós mesmos espiando dentro de cavernas e caminhando por planícies verdejantes sob o brilhante sol quadrado. É como se tivéssemos nos libertado de nós mesmos.”

O Menino Feito de Blocos é inspirado na vida real do autor. Keith Stuart tem um filho dentro do espectro autista, e muito do que acontece na história da obra aconteceu com o autor e sua família. No entanto, não é uma história real, a do livro. É uma inspiração pra lá de especial.

“Mas Sam tem, sim, um jeito interessante de ver o mundo, e eu me esforço muito para me lembrar disso toda vez que os níveis de estresse chegam às alturas, seja quando o faço colocar o casaco errado, ou quando o prato de macarrão que Jody preparou está dois graus mais quente que o normal. Para Sam, o mundo é uma máquina gigante que precisa funcionar de determinada maneira, com ações previsíveis, para garantir sua segurança. Antes de poder relaxar, ele precisa conhecer os ritmos e os movimentos de tudo à sua volta, e precisa ficar o tempo todo com um dedo no botão de desligar.”

Aos que leem O Menino Feito de Blocos pensando na possibilidade de mergulhar na vida de um menino autista, algo pode sair decepcionante. O Menino Feito de Blocos não conta a história de Sam, mas de Alex. Ou seja, não há, no livro, somente a questão do relacionamento entre um pai e seu filho autista, como a proposta pode indicar. O livro fala da vida de Alex, e traz muitas outras situações como um grande segundo plano.

Porém, é no ponto “família, amor e autismo” que o leitor de O Menino Feito de Blocos deve se atentar. É nos capítulos que tratam de Sam e da relação entre pai e filho que a história fica mais bonita.

“Ele está quase me encarando. E conheço essa expressão: ele está pensando. Fico me perguntando se está prestes a perguntar se pode ir embora. Porém, lenta e sutilmente, o rosto dele se ilumina em um sorriso e os olhos se voltam para a tela. E então Sam começa a construir.”

O poder da família, o poder do amor, o poder da diferença e até o poder de um jogo de videogame. O Menino Feito de Blocos é um bloco entre vários. Em um mundo feito de blocos, onde todos os blocos são diferentes uns dos outros. A vida.

“- Você quer sair em uma aventura? – pergunta ele.

Eu pego o controle e nós estamos juntos no mundo de novo.”

Enclausurado, de Ian McEwan

O narrador. É este o grande trunfo de Enclausurado, o mais novo romance do autor britânico Ian McEwan.

É o narrador de Enclausurado que chama a atenção antes da leitura da obra. É o narrador de Enclausurado que prende o leitor na narrativa. É o narrador de Enclausurado que faz Enclausurado ser um bom livro.

Ian McEwan foi ligeiro ao criar um dos narradores mais inusitados da literatura mundial.

Sim! O narrador de Enclausurado é um feto.


Compre na Amazon: http://amzn.to/2nrHUaQ


Enquanto Brás Cubas narrava sua vida depois da morte, o personagem-narrador do livro de McEwan escreve antes da vida. É pelo olhar de um bebê, dentro da barriga da mãe, que o leitor de Enclausurado acompanha a trama.

“Mas voltemos à minha mãe, à minha infiel Trudy, cujos braços e seios cor da polpa de maçã e olhos verdes desejo profundamente conhecer, cuja inexplicável necessidade de Claude antecede meu primeiro clarão de consciência, meu primordial ser, e que frequentemente fala com ele, e ele com ela, em sussurros na cama, em sussurros nos restaurantes, em sussurros na cozinha, como se ambos suspeitassem de que úteros têm ouvidos.”

Nada realista, eu sei. Bebês não falam nem têm referências do mundo de fora da barriga. Mas é esta a proposta do livro e, para lê-lo, terá de aceitar.

É preciso comprar a ideia! É preciso entender a proposta para ler Enclausurado, um monólogo regido e narrado em primeira pessoa por um “serumaninho” em formação.

“Água, ela devia beber mais água. Minhas mãos se erguem para tocar as têmporas. Injustiça monstruosa sentir tamanha dor antes mesmo que minha vida tenha começado.”

Inspirado em Hamlet, de Shakespeare, o enredo de Enclausurado consiste em: o bebê, o narrador dentro da barriga, escuta os diálogos de fora dela e descobre que a sua mãe está tramando, com o amante dela, a morte de seu pai biológico.

Com toques de ironia e um humor delicado, Enclausurado tem também um ar filosófico e pensativo. McEwan traz, na história, questões sobre a existência. Afinal, temos um bebê enclausurado dentro da barriga da mãe que nada pode fazer para impedir o que acontece fora dela.

“Isso mesmo. A condição do feto moderno. Pense bem: nada a fazer senão existir e crescer, em que o crescimento não represente um ato consciente. A alegria da existência pura, o tédio dos dias iguais. A beatitude prolongada é um tédio existencial. Este confinamento não devia ser uma prisão. Aqui possuo o privilégio e o luxo da solidão. Falo como um inocente, porém concebo um orgasmo prolongado até a eternidade – que tal esse tédio no reino do sublime?”

Assim como o narrador pra lá de inusitado, o final de Enclausurado também segue tal originalidade.

Com esta obra, Ian McEwan mostra, mais uma vez, seu talento na contemporaneidade da literatura. Diferente de Reparação ou de A Balada de Adam Henry, em Enclausurado o cume é a habilidade narrativa do autor britânico.

“Há muito tempo estou bem grande para este lugar. Agora estou grande demais. Meus membros estão dobrados e pressionando fortemente o peito, minha cabeça está enfiada na única saída. Uso minha mãe como um capacete bem justo. Minhas costas doem, estou deformado, as unhas precisam ser cortadas, estou cansado de me demorar aqui nesta penumbra onde o torpor não anula o pensamento, mas o libera.”