A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós

A Cidade e as Serras, de Eça de QueirósSim, eu leio muito. Mas hei de confessar: sou um pouco lerdo.

Não sou desses que devora um livro em uma madrugada. Tenho meu tempo para ler. E olha que venho melhorando bastante nesse quesito. Mas é claro que isso depende do tamanho do livro.

Não demoro um mês para ler um livro de 50 folhas ou dois dias para ler uma obra de 500 páginas. Posso dizer que estou no meio termo, entre a rapidez e a lentidão. O fato é que tudo é relativo.

A obra de hoje, por exemplo. Um livro com pouco mais de 190 páginas que demorei semanas para terminar. E a justificativa é uma só: A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós.


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Muita gente tem opinião formada sobre A Cidade e as Serras, e elas normalmente se assemelham. Muitos consideram a obra uma chatice. Eu mesmo, até metade da minha leitura, relutei. Relutei em dar uma opinião sobre o livro e mais. Relutei em ir até o fim.

A Cidade e as Serras não é um livro fácil de ler. Ele não flui muito e, a cada página, chegar até o final se torna um desafio. Por isso que demorei tanto para terminá-lo. Mas consegui. Quando acabei a leitura, no entanto, percebi que eu ainda não tinha uma opinião muito certa sobre a obra.

O que torna a leitura difícil, divide opiniões e afasta muitos leitores é a linguagem de Eça de Queirós. Veja bem… Os livros do autor são escritos no árduo português de Portugal do século XIX.

Conhecido por incluir em suas obras temas polêmicos rodeados de críticas aos costumes da sociedade de seu país, pisoteando questões culturais da época, Eça de Queirós, autor também de obras como O Crime do Padre Amaro e O Primo Basílio, agrega em A Cidade e as Serras uma investigação profunda e filosófica sobre a busca da felicidade na vida moderna.

“Quando o dia social de Jacinto se apresentava mais desafogado, e o céu de Março nos concedia caridosamente um pouco de azul aguado, saíamos depois do almoço, a pé, através de Paris. Estes lentos e errantes passeios eram outrora, na nossa idade de Estudantes, um gozo muito querido de Jacinto – porque neles mais intensamente e mais minuciosamente saboreava a Cidade. Agora porém, apesar da  minha companhia, só lhe davam uma impaciência e uma fadiga que desoladamente  destoava do antigo, iluminado êxtase. Com espanto (mesmo com dor, porque sou bom, e sempre me entristece o desmoronar duma crença) descobri eu, na primeira tarde em que descemos aos Boulevards, que o denso formigueiro humano sobre o asfalto, e a  torrente sombria dos trens sobre o macadame, afligiam meu amigo pela brutalidade da  sua pressa, do seu egoísmo, e do seu estridor.”

Eça de Queirós escreveu A Cidade e as Serras em um momento mais calmo de sua vida, quando a idade já havia chegado e a posição conservadora também. Ao invés de atacar temas muito polêmicos, o autor escreveu A Cidade e as Serras com um ar mais filosófico. E o assunto era a tal história que o título é direto ao abordar. A Cidade ou as Serras?

“Jacinto, que tinha agora dois cavalos, todas as manhãs cedo percorria as obras, com amor. Eu, inquieto, sentia outra vez latejar e irromper no meu Príncipe o seu velho, maníaco furor de acumular Civilização!”

Embora o bem-humorado Zé Fernandes seja o narrador da história, Jacinto é o protagonista de A Cidade e as Serras. Apesar de sua origem portuguesa, ele sempre morou em Paris, a cidade mais avançada da época.

De boa situação financeira, que lhe permite ter o que quiser, incluindo as novidades tecnológicas que surgem na virada do século XIX para o XX, como o telefone e a máquina de escrever, Jacinto não é uma pessoa feliz. A vida do personagem é vaga, sem família, sem amigos, sem projetos.

A história muda quando ele se vê obrigado a voltar para a fazenda da família no interior de Portugal. O problema é que lá, em Tormes, a tecnologia não chegou. E a realidade é muito diferente.

O homem da cidade vai parar no meio da serra. E a história acontece. O confronto aqui é entre o avanço da tecnologia e a vida simples do campo.

“E de novo se estabeleceu um silêncio, sob o alpendre, onde penetrava a friagem crescente da serra encharcada. Para além do rio, a prometedora claridade não se alargara entre as duas espessas cortinas pardacentas. No campo, em declive diante de nós, ia um longo correr de ribeiros barrentos. Eu terminara por me sentar na ponta dum madeiro, enervado, já com a fome aguçada pela manhã agreste. E Jacinto, na borda do carro, com os pés no ar, cofiava os bigodes úmidos, palpava a face, onde, com espanto meu, reaparecera a sombra, a sombra triste dos dias passados, a sombra do 202!”

Minha opinião sobre a obra se forma em cima do muro. Há de se admitir que Eça de Queirós tem uma narrativa inteligente. A difícil linguagem tem seu charme. E a importância pelo resgate das nossas raízes tem relevância.

Porém, há de se admitir também que A Cidade e as Serras é “uma maçada” – e quem leu o livro vai entender.

O que equilibra a balança, no entanto, é a atualidade da obra. Quem diria que um livro escrito há mais de cem anos – a obra é de 1901 – poderia ter sido escrito ontem. Na atual era da tecnologia, o livro A Cidade e as Serras continua sendo necessário.

“Na cidade (como notou Jacinto) nunca se olham, nem lembram os astros – por causa dos candeeiros de gás ou dos globos de eletricidade que os ofuscam. Por isso (como eu notei) nunca se entra nessa comunhão com o Universo que é a única glória e única consolação da Vida. Mas na serra, sem prédios disformes de seis andares, sem a fumaraça que tapa Deus, sem os cuidados que, como pedaços de chumbo, puxam a alma para o pó rasteiro – um Jacinto, um Zé Fernandes, livres, bem jantados, fumando no poiais duma janela, olham para os astros e os astros olham para eles. Uns, certamente, com olhos de sublime imobilidade ou de sublime indiferença. Mas outros curiosamente, ansiosamente, com uma luz que acena, uma luz que chama, como se tentassem, de tão longe, revelar os seus segredos, ou de tão longe compreender os nossos…”