As Águas-Vivas Não Sabem de Si, de Aline Valek

As Águas-Vivas Não Sabem de Si, de Aline Valek 2As Águas-Vivas Não Sabem de Si conta a história de Corina, mas não só dela. Também conta a história das pessoas que cercam Corina. E mais: conta a história dos seres que cercam Corina – e não só dos humanos. As Águas-Vivas Não Sabem de Si conta uma história sobre oceano, sobre solidão e, principalmente, sobre existência.

Corina é uma das cinco pessoas que formam a equipe que pesquisa a região de uma zona hidrotermal. Isoladas da superfície, dentro de uma estação a trezentos metros de profundidade, essas pessoas trabalham com o objetivo inicial de testar trajes especiais de mergulho.


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Porém, cada uma dessas pessoas esconde algo. Corina também. Essa convivência não contribui positivamente para a expedição científica.

“Sozinha, Corina gemeu. Tinha escolhido se fazer de ostra, se fechar, porque ali não dava para esperar compreensão ou paciência de ninguém. Eram estranhos que o acaso tratou de juntar em uma situação-limite, e realmente não dava para esperar que isso pudesse dar certo, se eram tão diferentes que nem mesmo pareciam fazer parte da mesma espécie – o que também explicava a evidente dificuldade de se comunicar.

Nada como uma fissura borbulhante para expor as fraquezas de uma equipe que nunca existiu.”

Liderados por um cientista obsessivo em encontrar vida inteligente no fundo do oceano, a vivência do grupo se constrói para o leitor intercalada com a experiência do lado de fora da estação. E do lado de fora, além da água, há muita vida.

Seres fantásticos, nos dois sentidos da palavra, são apresentados detalhadamente. O leitor mergulha (sem trocadilhos) na existência dos seres que habitam o oceano tanto quanto nos humanos que ali estão em busca de algo que nem eles mesmos sabem exatamente o que é.

O fato é que a história, do início ao fim, faz essa relação, às vezes implícita, entre os nativos e os intrusos. A relação é feita até com outros elementos. Tudo para acentuar, de alguma forma, a mesma reflexão: sobre a existência.

“Copos de isopor e corpos humanos, que diferença fazia, se seriam espremidos com a mesma força pelo abismo? Eram finitos, frágeis, quebradiços, e, depois que deixassem de existir, o mundo continuaria lá e nada mudaria.”

Uma grande diferença que dá destaque para a história de As Águas-Vivas Não Sabem de Si é o próprio oceano, que pode ser considerado também como uma personagem do enredo. O oceano é fundamental para a história, pois é nele e com ele que se cria a paisagem do livro. O cenário da obra é engendrado imageticamente.

“Ela explodia bem mais fundo, onde a luz do sol jamais tocou e nem por isso era só escuridão, deserto, silêncio; porque era ali que a vida, a própria vida, emitia luz.”

A escuridão e o silêncio, presentes em boa parte da história, representam a solidão que a autora tanto desenvolve no decorrer do livro, por vezes até demais. O centro do enredo arrasta a obra lentamente ao tratar da solitária vivência no fundo do oceano.

Essa lentidão da narrativa, no entanto, é cortada com um final poético. Pois, acima de tudo, a história do livro é um mergulho nas profundezas do oceano e no abismo particular do ser humano.

Acompanhado por uma mergulhadora insegura, o leitor percebe que a aventura presente em As Águas-Vivas Não Sabem de Si é muito humana. Ao mesmo tempo, participando da vida que há no fundo do mar, percebe que tudo ali pode ser tal qual acima da terra.

“[…] Vi que, no final das contas, estamos todos quebrados. Não exatamente quebrados, mas que nos falta um pedaço.”

A brasileira Aline Valek, autora do livro, é blogueira, ilustradora e colunista da Carta Capital. As Águas-Vivas Não Sabem de Si é o romance de estreia da escritora.

Chamo atenção para o projeto gráfico da edição da obra que, além de optar por boas cores, traz uma ilustração de muita qualidade. No entanto, se tem algo, a partir da minha leitura, que senti falta, é a demora do surgimento – literal – das águas-vivas, que têm, como seres vivos, apenas um capítulo onde são destaque. Talvez o mergulho pudesse ser mais a fundo também na existência das águas-vivas, mesmo consciente da relação que a história faz com os próprios seres humanos.

Apesar disso, vê-se que a história do livro é muito imagética, num bom sentido, da cabeça da autora. Há uma percepção de que algo ali tem forte relação com a realidade de quem escreve; e isso é presente.

Por fim, As Águas-Vivas Não Sabem de Si deixa a dúvida no ar (ou na água). Em relatos de distintos pontos de vista, onde existe a grande paixão pelo desconhecido, o mergulho profundo nos segredos do oceano e a forte busca por uma existência, seja ela qual for, o livro lança não só um novo trabalho, mas também uma interessante consciência sobre os outros e sobre si mesmo.

“A vida, claro, sempre arrumou uma forma de continuar. Coisa teimosa, ela. Porque, por maior que fosse a destruição, uma ou outra espécie sobrevivia, dava continuidade à história, ficava para ver o que viria depois.

Mas, naquele momento, ainda não era tempo de reconstrução. Era uma época em que o mundo ficava cada dia mais vazio, a água lentamente sufocando os que viviam nela, fazendo carcaças sem vida afundarem e se acumularem no solo em que descansariam para sempre. […] Não fazia ideia do que acontecia com o mundo ao seu redor. Apenas existia.”