A Vida Louca da MPB, de Ismael Caneppele

A Vida Louca da MPB, de Ismael Caneppele 2A música popular brasileira vive sob muitos olhares. Olhares diversos, críticos, apaixonados. A MPB sempre foi cheia de histórias. No entanto, poucos olhares atentam para as loucuras dessas histórias. Em busca de detalhes pouco conhecidos das vidas de grandes artistas da MPB, o livro da semana levanta histórias e histórias de vidas de 17 figuras da nossa música que viveram intensamente. É A Vida Louca da MPB.


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Escrito por Ismael Caneppele, autor jovem e gaúcho, A Vida Louca da MPB traça uma minibiografia de cada uma das 17 estrelas que figuram a obra e que foram peças importantes para a história da música popular brasileira.

Em cada capítulo, dedicado à cada artista, Caneppele resume as vidas conturbadas dessas figuras e, por vezes, foca nos “causos” e nos escândalos de cada uma delas. São vidas de porres, quedas, vexames, idas e vindas.

As loucuras, os lados obscuros, excêntricos e engraçados, as curiosidades. O vício, a bebida e as drogas. A fama, o sucesso e o talento. A música e a dor. Artistas de 1930 a 2000, mitos da MPB. Carreiras brilhantes, de pressões e emoções. Em meio aos excessos e exageros, as 17 figuras são todas falecidas. Muitos tiveram, inclusive, morte precoce.

O livro abre com ninguém menos que Carmem Miranda, fenômeno da MPB. Estrela com vontade de brilhar, enérgica, celebridade de adereços e balangandãs, que atuava, cantava, dançava e inventava moda. Carmem era figurino, maquiagem e gestual. Carnavalesca, vivia na fantasia. Artista que, no auge da fama, sofreu o cansaço e o estresse. Virou uma máquina e as drogas eram o novo combustível.

“Contratada pela primeira vez para fazer shows na Europa, embarca num navio decidida a se livrar dos remédios e do álcool. Em alto-mar, tenta dormir, mas não consegue. Está esgotada, e o cérebro não desliga. Sucumbe aos soníferos, mas mesmo assim não consegue apagar. Exausta, delira, treme e entra em pânico.”

Entre amores rápidos e casamento precoce, surgiram problemas de saúde. Uma cirurgia plástica no nariz gerou complicações abafadas pela imprensa. O marido – e empresário – a levou à decadência, sugou sua grana e suas forças. Apesar de “ser artista”, sofreu com a solidão. Muitas viagens, muitos trabalhos. Depressão. Dependente de anfetaminas para ter pique e soníferos para apagar, morreu intoxicada aos 46 anos em 1955.

A Vida Louca da MPB segue então com Noel Rosa, o Poeta da Vila, revolucionário e autodestrutivo. Figura do samba dos anos 1930. Boêmio que, aos 25 anos, contraiu tuberculose e lesões nos pulmões. Não chegou aos 27.

O próximo é Mário Reis, mauricinho bem de vida da elite do samba. Recluso, discreto, elegante, vaidoso, perfeccionista, de canto suave e voz sussurrante, viveu nos mistérios, segredos e fofocas. Príncipe falido, se jogou na bebida e abandonou a vida artística. Foi e voltou, mais de uma vez, até falecer.

O Cantor das Multidões, Orlando Silva, magricela de grande voz, virou desejo das meninas. Delírio popular. Um acidente o deixou manco. Depois, sofreu com um problema dentário. Além do álcool, ganhou vício em morfina. Morreu em 1978 de isquemia cerebral.

Dalva de Oliveira entra para o time, cheia de histórias. Diva da MPB dos anos 1940 e 1950, foi vítima do conservadorismo, mas conseguiu enfrentá-lo. De personalidade forte, lutou contra o machismo. Com Herivelto Martins, ex-marido e parceiro, de relação conturbadíssima, expôs sua vida já nada íntima. Brigas públicas viraram publicidade. Viciada no conhaque, virou alcoólatra e teve cirrose. Entrou em coma por vezes e não aguentou. Em 1972, aos 55 anos, a estrela apagou.

“Em 1941, Dalva engravida novamente, mas a criança não chega a nascer. Numa das brigas, Herivelto enche a mulher de socos e pontapés, depois a empurra da enorme escada da sala, causando o aborto do filho. Como castigo, Dalva guarda o feto dentro de um vidro com álcool e o deixa exposto no banheiro da casa. Quando as visitas perguntam sobre o estranho objeto, a cantora afirma que ele serve para que Herivelto não se esqueça do que fez.”

Nelson Cavaquinho é outro boêmio do samba retratado no livro. Vagabundo assumido, sambista da melancolia e da morte, sempre com versos doloridos e temas pesados e sombrios, dormia em mesas de bares e desaparecia por dias. Contraiu gripe espanhola e, das bebidas e do cigarro, sofreu um enfisema pulmonar. Morreu aos 74.

Vinicius de Moraes não poderia ficar de fora. O poetinha, de muitos amigos, parcerias, casamentos, casos e paixões, de alma romântica e embriagada, foi vítima do uísque. Um dia, angustiado, trancou-se na cozinha e ligou o fogão. Aspirou o gás e quase conseguiu morrer, se sua sogra não tivesse arrombado a porta. Ficou muito doente, mas não largou a bebida, sempre com um copo na mão. Em 1980, morreu dentro da banheira.

Maysa dá as caras com seus escândalos e porres homéricos. Dondoca filha da elite, casada com herdeiro de sobrenome poderoso, intérprete internacional, bebeu e fumou desde cedo. Cantora da fossa, de semblante pesado, engordou, emagreceu, enriqueceu, sofreu e se embebedou. No alcoolismo, viu o mundo cair. Em 1977, seu carro perdeu o controle na ponte Rio-Niterói e bateu na murada central. Aos 40, morreu antes do resgate chegar.

Wilson Simonal é outra grande figura de A Vida Louca da MPB. Cara que vivia na ostentação, com carros de luxo, loiras, joias, roupas, dinheiro e sucesso. Garoto propaganda, símbolo, safo, cheio de gírias, foi o rei da pilantragem. Seu provável envolvimento com os militares da ditadura estragou tragicamente sua carreira. Aos 62, morreu de falência hepática no ano 2000.

Chama o síndico Tim Maia. Bebidas, drogas, vícios, pindaíbas. Exageros. De bom humor, falava demais. Era irracional, briguento, sem noção, irresponsável e doidão. Foi marmiteiro e coroinha. Carregou passagens pela polícia, processos, indenizações e penhores. Viveu na maconha, na cocaína e no uísque. Destruiu seu organismo e o coração não aguentou. Morreu em 1998.

O rockeiro baiano Raul Seixas também surge com seus vícios e abusos. Raul perdeu dinheiro e os dentes. Fumante desde cedo, com medo de morrer, não teve estrutura para lidar com o sucesso. O Maluco Beleza viu a saúde ser degradada. Em 1989, foi achado morto na cama, deitado embaixo das cobertas.

Um trio de nem tanto reconhecimento dá sequência à obra. Sérgio Sampaio, rotulado como maldito, viveu altos e baixos. Foi na década de 1970 que experimentou o estrelismo. Alternativo, viveu nas ruas. Da bebida, foi ao fracasso. Morreu aos 47, em 1994.

Itamar Assumpção foi o ícone da música independente. Exótico, esquisito, nunca desfrutou do glamour da vida de artista. Compositor, reservado, sem sucesso popular, figurou a vanguarda paulistana. Um câncer maligno se juntou ao abuso de drogas sem escândalos. Morreu aos 53 anos.

Júlio Barroso completa o trio com seu lado obscuro. De genialidade e loucura, entregou-se ao fumo e às bebedeiras. O nerd criador do grupo Gang 90 & Absurdettes caiu da janela do prédio onde morava em São Paulo em 1984. As notícias falaram em suicídio, mas até hoje não se tem certeza.

O vida louca que cantou a vida louca vida, Cazuza é peça grande. Exagerado, carioca, sempre otimista, foi apresentado às drogas quando era muito jovem. Com o Barão Vermelho, foi ao estrelato, ascensão. Cara do rock brasileiro, bebida, drogas e sexo. Cazuza sofreu com o organismo frágil. Vítima do HIV, sentiu os efeitos colaterais. Febres, dias de cama, convulsões. A doença e o tratamento não o deixaram parar de produzir. Incansável, enfraqueceu. Morreu em 1990, mas viveu o lado delirante da vida.

“Mesmo próximo de outras crianças, Cazuza é um menino que prefere passar a maior parte do tempo sozinho, criando um mundo somente seu. Exímio desenhista, sua maior habilidade é retratar mulheres seminuas. Seus desenhos são disputados a tapa pelos garotos da escola. Também é um incendiário, queimando praticamente todos os carrinhos de brinquedo. Em casa, sua diversão preferida consiste em jogar álcool dentro da privada e atear fogo.”

Figura do rock nacional, Renato Russo é outro artista de vida curta. Com suas letras, comportamento, política e poesia, marcou uma geração. Aos 15, descobriu uma doença nos ossos que comprometeu a cartilagem. Uma cirurgia malfeita o deixou um ano sem poder se movimentar. Curado, caiu nas drogas e na bebida. De personalidade, com relacionamentos, virou alcoólatra. Contraiu HIV e enfraqueceu. Sem ânimo, viveu curas e loucuras. Parou de comer, de se esforçar e se entregou à depressão. Morreu em 1996.

O livro fecha o time com Cássia Eller, cantora que escancarava as próprias diferenças. No palco, coçava o saco que não tinha, mostrava os peitos e cuspia no chão. Fora do palco, era doce e tímida. Lésbica, política, bebeu, fumou e cheirou. Engravidou, foi mãe e voltou a ser criança. Mas nunca se deixou virar careta. Quando criança, foi vítima da perigosa febre reumática, que causou uma lesão em seu coração. Aos 12, foi diagnosticada com arritmia cardíaca. Do álcool e das drogas, se afastou por um tempo. Veio o descontrole, o ataque de fúria. Transtornada, foi internada. E ali ficou.

Cássia, assim como todos os outros artistas de A Vida Louca da MPB, viveu sem moderação. Depois de mortos, permanecem vivos.

“Uma hora depois, a cantora tem a primeira parada cardiorrespiratória. Então, é reanimada e internada na unidade coronariana e, em seguida, vai para o CTI, onde sofre uma segunda parada. No final do dia, a equipe médica diagnostica uma isquemia, entupimento de artéria, na mão e no antebraço esquerdos. Depois das seis horas da tarde, tem mais duas paradas cardíacas. Ao fim daquele 29 de dezembro de 2001, com 39 anos recém-completados, a voz de Cássia Eller silencia para sempre. O Brasil fica mais triste. A MPB perde grande parte de sua loucura e poesia.”

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