Enclausurado, de Ian McEwan

O narrador. É este o grande trunfo de Enclausurado, o mais novo romance do autor britânico Ian McEwan.

É o narrador de Enclausurado que chama a atenção antes da leitura da obra. É o narrador de Enclausurado que prende o leitor na narrativa. É o narrador de Enclausurado que faz Enclausurado ser um bom livro.

Ian McEwan foi ligeiro ao criar um dos narradores mais inusitados da literatura mundial.

Sim! O narrador de Enclausurado é um feto.


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Enquanto Brás Cubas narrava sua vida depois da morte, o personagem-narrador do livro de McEwan escreve antes da vida. É pelo olhar de um bebê, dentro da barriga da mãe, que o leitor de Enclausurado acompanha a trama.

“Mas voltemos à minha mãe, à minha infiel Trudy, cujos braços e seios cor da polpa de maçã e olhos verdes desejo profundamente conhecer, cuja inexplicável necessidade de Claude antecede meu primeiro clarão de consciência, meu primordial ser, e que frequentemente fala com ele, e ele com ela, em sussurros na cama, em sussurros nos restaurantes, em sussurros na cozinha, como se ambos suspeitassem de que úteros têm ouvidos.”

Nada realista, eu sei. Bebês não falam nem têm referências do mundo de fora da barriga. Mas é esta a proposta do livro e, para lê-lo, terá de aceitar.

É preciso comprar a ideia! É preciso entender a proposta para ler Enclausurado, um monólogo regido e narrado em primeira pessoa por um “serumaninho” em formação.

“Água, ela devia beber mais água. Minhas mãos se erguem para tocar as têmporas. Injustiça monstruosa sentir tamanha dor antes mesmo que minha vida tenha começado.”

Inspirado em Hamlet, de Shakespeare, o enredo de Enclausurado consiste em: o bebê, o narrador dentro da barriga, escuta os diálogos de fora dela e descobre que a sua mãe está tramando, com o amante dela, a morte de seu pai biológico.

Com toques de ironia e um humor delicado, Enclausurado tem também um ar filosófico e pensativo. McEwan traz, na história, questões sobre a existência. Afinal, temos um bebê enclausurado dentro da barriga da mãe que nada pode fazer para impedir o que acontece fora dela.

“Isso mesmo. A condição do feto moderno. Pense bem: nada a fazer senão existir e crescer, em que o crescimento não represente um ato consciente. A alegria da existência pura, o tédio dos dias iguais. A beatitude prolongada é um tédio existencial. Este confinamento não devia ser uma prisão. Aqui possuo o privilégio e o luxo da solidão. Falo como um inocente, porém concebo um orgasmo prolongado até a eternidade – que tal esse tédio no reino do sublime?”

Assim como o narrador pra lá de inusitado, o final de Enclausurado também segue tal originalidade.

Com esta obra, Ian McEwan mostra, mais uma vez, seu talento na contemporaneidade da literatura. Diferente de Reparação ou de A Balada de Adam Henry, em Enclausurado o cume é a habilidade narrativa do autor britânico.

“Há muito tempo estou bem grande para este lugar. Agora estou grande demais. Meus membros estão dobrados e pressionando fortemente o peito, minha cabeça está enfiada na única saída. Uso minha mãe como um capacete bem justo. Minhas costas doem, estou deformado, as unhas precisam ser cortadas, estou cansado de me demorar aqui nesta penumbra onde o torpor não anula o pensamento, mas o libera.”

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