O País do Carnaval, de Jorge Amado

O País do Carnaval, de Jorge Amado 2Será que o Brasil é só e somente o País do Carnaval?

Jorge Amado, grande escritor brasileiro, tinha lá suas dúvidas. E tinha também suas certezas.

O País do Carnaval é o primeiro romance de Jorge Amado, que escreveu a obra quando tinha 18 anos. De forma crítica e investigativa, o autor aborda o Brasil em sua imagem festiva e contraditória.


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O País do Carnaval, publicado em 1931, quase foi intitulado de Os homens que eram infelizes sem saber por quê. Só não foi chamado assim porque, como justificou o próprio Jorge Amado, “a gente tem vergonha de certas confissões.”

Quem protagoniza a obra é Paulo Rigger, um brasileiro que, depois de sete anos estudando Direito em Paris, volta ao Brasil. Inquieto, o personagem, filho de um rico produtor de cacau, retorna ao país de origem e não se identifica com o lugar, não o reconhece.

“Paulo Rigger andava na rua, ao léu. Sentia-se um estranho na sua pátria. Achava tudo diferente… Se aquilo lhe acontecia no Rio, que seria na Bahia, para onde iria residir em companhia da sua velha mãe?… Poderia, conseguiria viver? E tinha uma grande nostalgia de Paris…”

Rigger, em Salvador, se une a um grupo de intelectuais e todos logo se tornam grandes amigos. A semelhança entre eles é que todos estão insatisfeitos e resolvem buscar um sentido para a vida. A diferença entre eles é que cada um tem sua finalidade, sua opinião, seu ponto de vista. Todos iguais e diferentes. Os distintos pensamentos dos amigos formam os debates. E os debates formam o livro.

As eternas discussões que Jorge Amado retrata em O País do Carnaval levam o leitor a pensar, refletir e querer debater junto com os personagens.

Os amigos discutem sobre muitas questões. Muitas, mesmo. Falam de política e de religião, de poesia e literatura, de jornalismo e advocacia, de amor e sexo, de cobiça e traição, da natureza, do trabalho, da inteligência, da filosofia.

Com os debates de seus personagens, Jorge Amado fala de preconceito, de machismo, de romantismo. Fala de festa. O País do Carnaval fala, sobretudo, de fé e de felicidade.

“- Coitado! Talvez seja infeliz. Talvez seja feliz. Que tente. Sempre é uma grande coisa poder tentar ser feliz.”

A obra se inicia falando de ceticismo. Jorge Amado é cético ao falar de ceticismo. Seus personagens, os amigos, também são céticos. Até certo ponto.

Um grande trunfo de O País do Carnaval é o poder do autor sobre o leitor. Ele faz o leitor se apaixonar por algo e depois se desapaixonar. Como a vida…

Jorge Amado induz o leitor a acreditar em algo e depois duvidar desse algo. E isso é uma coisa que acontece com os personagens durante o enredo. Uma coisa que provavelmente acontecia também com o próprio autor.

A dúvida ronda fortemente O País do Carnaval. Nos debates entre os personagens, são levantadas questões como: o que é ser feliz e o que é ser infeliz? O que é a satisfação e a insatisfação? Ilusão e desilusão? Sonhos e fracassos? O País do Carnaval levanta a dúvida sobre a própria dúvida.

“- Ora, Rigger, deixe disso. Procure viver para a dúvida. Viver para o sofrimento. Para a própria insatisfação. Em vez de combater a dúvida, adorá-la. Eu duvido de tudo.”

Discutir muitas questões em um único livro pode virar uma bagunça. Mas o fato de cada personagem acreditar em uma coisa, do amor a religião, para achar um sentido para a vida, controla o caos filosófico. São as crenças de cada um que carrega a história.

“(…) e, se acha que isso trará a Felicidade para sua vida, não vacile: case-se. Eu não lhe aconselho o casamento como meio de resolver o problema da vida. Não o tentei. Sinto, entretanto, que se o tentasse, seria infeliz. Tão infeliz como sou hoje. O meu gênio… Os meus ciúmes… A vida passaria a ser um inferno. Para mim e para Ela. Mas se você tem certeza de que encontrará no amor, no casamento, a finalidade da sua vida, não ouça conselhos, não dê ouvidos a ninguém. Case-se e vá viver. E se for infeliz? Uma bala resolve tudo. Resolve todos os problemas da vida.”

Voltamos ao ceticismo? Levantam-se dúvidas.

“Viver por viver” seria a solução? Levantam-se dúvidas.

Voltamos às dúvidas? Levantam-se dúvidas.

As dúvidas que permeiam O País do Carnaval são as mesmas que sondam a vida do ser humano. As dúvidas servem para alcançar os propósitos da grande tragédia que é a vida.

“Na última página, em vez do clássico Fim, lia-se Terminou. José Lopes sorriu. Passou o lápis sobre o Terminou. Substituiu por Principiou. Ficou cismando em que ninguém compreenderia que, só depois de terminado o livro, de terminadas as experiências, de desiludidos todos de encontrar o sentido da vida, esta começava. Principiava a tragédia de todo dia…”

Em O País do Carnaval, Jorge Amado fala das lutas, das gerações. E tudo era, na verdade, o espelho da situação do país na época. O Brasil passava pela Revolução dos 30, quando o autor escreveu a obra. O país procurava redefinir seus caminhos.

O País do Carnaval retratava a atual mocidade, a juventude brasileira que, desesperada e entediada, vivia o drama e o caos que se passava no Brasil. Tudo era muito real. E quem disse que essa realidade mudou com o tempo?

O País do Carnaval estava entre os livros de Jorge Amado que foram queimados em praça pública em Salvador, em 1937, por ordem da polícia do Estado Novo.

Por vezes irônico e satírico, Jorge Amado, em seu primeiro romance, fala da moral brasileira, cutucando as feridas, atingindo os princípios. Ao mesmo tempo, expõe a sensibilidade humana, com suas fraquezas e contradições.

“- Esse negócio de moral é uma tolice. O homem de talento não tem moral. E você, Gomes, tem talento. É quanto basta. Só um defeito não é perdoável no homem: a burrice.”

Diz-se que O País do Carnaval é quase um rascunho de Jorge Amado. Na obra, o autor atravessa a linha romântica e levanta suas próprias dúvidas, seus próprios sentimentos, sua inquietação. O livro seria como se fosse parte da vida do autor e sua trajetória até então.

O País do Carnaval traz, por fim, um grupo de amigos que poderiam ser qualquer brasileiro comum. No debate, tão literário e tão real, a intenção é uma só: chegar à finalidade para resolver assim o problema da vida.

O Brasil poderia ser mais do que o País do Carnaval. Rigges, o protagonista, acredita que a festa popular mantém o povo alienado. A festa popular, no entanto, é só um pequeno exemplo das contradições cotidianas da vida.

“O Brasil continuou o mesmo. Não melhorou, nem piorou. Feliz Brasil, que não se preocupa com problemas, não pensa e apenas sonha em ser, num futuro muito próximo, “o primeiro país do mundo”…”