A Casa dos Espíritos, de Isabel Allende

Peruana de ascendência chilena, Isabel Allende vive hoje nos Estados Unidos. É filha de Tomás Allende, primo-irmão de Salvador Allende. Sim, Isabel é sobrinha do primeiro presidente de república do Chile, o chefe de estado marxista fundador do Partido Socialista, que governou o país de 1970 a 1973 e foi deposto por um golpe de estado liderado por Augusto Pinochet.

Com esse cenário político, após o trágico final para a família Allende, Isabel lançou o seu primeiro romance, A Casa dos Espíritos, em 1982, e tornou-se uma das principais autoras chilenas da literatura latino-americana.


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A Casa dos Espíritos acompanha a trajetória da família Trueba, liderada por um único patriarca, Esteban Trueba, homem prático, machista, autoritário e portador de um gênio fortíssimo.

O enredo acontece em um período de 70 anos, indo, aproximadamente, de 1905 até 1975, depois do golpe militar.

Ao longo desses anos, o leitor escolta o crescimento econômico do fazendeiro Trueba, de enorme contraste com as mulheres da família. Inclusive, são as mulheres da família Trueba as grandes protagonistas de A Casa dos Espíritos!

São três: Clara, Blanca e Alba. A mulher, a filha e a neta, respectivamente.

Três personagens bem elaboradas, com nomes que significam a mesma coisa. E nada de obsessão pela pele branca. O que acontece é: as três mulheres da família Trueba têm certa inclinação para a clarividência, elas enxergam o mundo mais além.

“Vegetava como uma flor de outro clima dentro daquela casa encravada nos areais, que parecia existir em outra dimensão, rodeada de nativos insólitos, surpreendendo com frequência pequenos detalhes que a induziam a duvidar de seu próprio juízo. A realidade parecia-lhe indefinida, como se aquele sol implacável que desbotava as cores também tivesse deformado as coisas que a rodeavam e convertido seres humanos em sombras silenciosas.”

A Casa dos Espíritos conduz histórias entre gerações de uma mesma família. E tudo começa com a infância de Clara, a menina que conversa com espíritos, prevê o futuro e move objetos.

“Algumas vezes, à hora da refeição, quando estavam todos reunidos na grande sala de jantar da casa, sentados em absoluta ordem de autoridade e poder, o saleiro começava a vibrar e logo se deslocava sobre a mesa, contornando copos e pratos, sem mediação de qualquer fonte de energia conhecida nem truque de ilusionismo. Nívea dava um puxão nas tranças de Clara e com esse sistema conseguia que a filha abandonasse o passatempo lunático e devolvesse à normalidade o saleiro, que imediatamente recuperava sua imobilidade.”

Blanca, a segunda grande mulher da família Trueba, vê no amor o grande desafio a enfrentar. Alba, por sua vez, volta-se à política, à luta, com coragem e determinação.

Por mais que o Chile não seja mencionado no livro, fica claro que é lá que tudo acontece, porque, mesclados com os conflitos familiares dos Truebas, e também os conflitos políticos do país, a história acompanha o crescimento de uma cidade característica.

“Ela anunciava os tremores de terra com alguma antecipação, o que se demonstrava muito conveniente naquele país de catástrofes, pois permitia pôr a louça a salvo e deixar ao alcance da mão os chinelos para escapar durante a noite.”

Os capítulos do livro são narrados de forma intercalada entre os personagens da história.

Considerado um clássico latino-americano, A Casa dos Espíritos, que virou filme em 1993, estrelado por Meryl Streep e Winona Ryder, é uma obra de realismo fantástico, voltada ao público adulto, que mistura romance, drama, fantasia e fatos históricos.

Por mais que a autora tenha vivido na pele o momento histórico do Chile, com grande envolvimento pessoal, por ser da família Allende, não há nenhum sinal de rancor na história de A Casa dos Espíritos.

No livro, o realce é a vida familiar dos Trueba, com suas particularidades e maluquices. A mensagem é: não remoa o que lhe fizeram, estamos todos habitando o mesmo domicílio.

A Casa dos Espíritos reside no lado mágico da vida.

“Minha avó escreveu durante 50 anos em seus cadernos de anotar a vida. Escamoteados por alguns espíritos cúmplices, salvaram-se por milagre da pira infame em que pereceram tantos outros papéis da família. Tenho-os aqui, aos meus pés, amarrados com fitas coloridas, separados por acontecimentos, e não por ordem cronológica, tal como ela os deixou antes de partir. Clara escreveu-os, a fim de que agora servissem para resgatar as coisas do passado e sobreviver ao meu próprio espanto.”

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