Preconceito Linguístico, de Marcos Bagno

Preconceito Linguístico, de Marcos Bagno 2Podando a roseira, sem preconceito ***

BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico. São Paulo: Parábola Editorial, 56ª ed. revista e ampliada, 2015; 352 páginas.


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Natural de Cataguases, o mineiro Marcos Bagno, nascido em 1961, é linguista, escritor, tradutor, poeta, professor e doutor em filologia e língua portuguesa. Com maior atuação no estudo da sociolinguística e da educação linguística, Bagno compila uma lista de obras publicadas que percorre, além de análises no campo linguístico, contos, poesias, novelas e também literatura infanto-juvenil.

Como produto de seu exercício como pesquisador da língua, destaca-se, entre seus livros: A Língua de Eulália: novela sociolinguística (1997); Português ou brasileiro? Um convite à pesquisa (2001); A norma oculta: língua & poder na sociedade brasileira (2003); e Gramática de bolso do português brasileiro (2013), entre outros tantos.

Preconceito linguístico: o que é, como se faz (1999) é, no entanto, um grande destaque da obra do escritor. O livro desenvolve uma análise sobre o preconceito diante da língua e suas vertentes, desde posturas discriminatórias até a educação e as variações linguísticas.

Muito se fala em preconceito, mas pouco se debate sobre o preconceito linguístico especificamente. É nesse pilar que Bagno estende sua análise e discussão.

O autor introduz o tema levantando as mitologias do preconceito linguístico. No primeiro capítulo da obra, Bagno identifica, debate brevemente e faz rápidas conclusões a respeito de oito mitos que cercam a discriminação linguística. O grande diferencial do pesquisador, porém, é o fato de, sucintamente, mas de forma direta, ao levantar o mito, ele já rebater e apresentar dados capazes de desfazer o equívoco que existe em tal crença.

O primeiro deles sinaliza o mito de que o português brasileiro apresenta uma “unidade surpreendente”. Com isso, o autor já defende uma tese que irá transitar durante toda a obra. Bagno afirma que

“toda e qualquer língua humana viva é, intrinsecamente e inevitavelmente, heterogênea, ou seja, apresenta variação em todos os seus níveis estruturais […] e em todos os seus níveis de uso social […]”. (p. 27, grifo do autor)

Nessa construção – e desconstrução – Bagno afirma que existe, no Brasil, um forte “abismo linguístico” advindo das diferenças de status socioeconômicos entre os falantes das variedades chamadas estigmatizadas (habitantes da zona rural ou periferias, pobres e analfabetos ou semianalfabetos) e os falantes das variedades prestigiadas (moradores de centros urbanos, escolarizados e de maior poder aquisitivo).

Em debate direto com essa questão, que serve como base para todo o desenvolvimento da obra literária do autor, Bagno diz que todos os falantes do português brasileiro deveriam ter maior acesso a essa espécie de língua oficial.

Em processo com as outras mitologias apresentadas pelo escritor no primeiro capítulo, há ainda os mitos do preconceito linguístico que falam que “só em Portugal se fala bem português”, que a língua portuguesa é difícil, que “as pessoas sem instrução falam tudo errado”, que “o lugar onde melhor se fala português é no Maranhão”, que a forma certa de falar advém da forma certa de escrever, que “é preciso saber gramática para falar e escrever bem” e que a ascensão social se dá pelo domínio da norma-padrão.

Em resumo, nesta primeira parte do livro, o pesquisador revela e desfaz todos esses mitos. O que difere a pesquisa de Bagno, no entanto, é o levantamento de problemas que vão além do básico. Em Preconceito linguístico, Bagno critica as gramáticas, as normas, o ensino, a escola, os vestibulares e muitos outros caminhos capazes de chegar a uma mesma conclusão, que resume, em uma só frase, todo o campo do preconceito discutido por Bagno:

“[…] são simplesmente diferenças de uso – e diferença não é deficiência nem inferioridade”. (p. 51, grifo do autor)

Bagno sustenta a ideia de que o preconceito linguístico é decorrente de um preconceito social. E, firmemente, defende que há um fenômeno chamado “variação” e que nenhuma língua é falada igualmente por todos nem em todos os lugares. Além de discriminação ou supervalorização, o preconceito linguístico encerra-se sempre nesse mesmo patamar: o da variação.

Nos capítulos seguintes da obra, Bagno enfatiza essa análise ao atribuir termos como “comandos paragramaticais” e ao demonstrar o círculo vicioso que há no preconceito da língua, quando diz que a gramática tradicional inspira o ensino em prática que, por sua vez, suscita a indústria do livro didático que, para ser realizado, recorre à gramática tradicional.

Em dado momento, o autor, depois de construir e desconstruir práticas e teorias linguísticas, reconhece crises e ações que subvertem o preconceito linguístico. Nessa abordagem, Bagno propõe discussões sobre o ensino do português, sobre metalinguagem e epilinguagem, e também avalia o preconceito contra a linguística e os linguistas. O autor questiona e argumenta sobre o que é certo e o que é errado, sempre com demonstrações e exemplificações pertinentes, não abusando de abordagens teóricas.

Para Bagno,

“a língua é viva, dinâmica, está em constante movimento. […] É uma fênix que, de tempos em tempos, renasce das próprias cinzas. É uma roseira que, quanto mais a gente vai podando, flores mais bonitas vai dando.” (p. 168)

Bagno é muito direto em Preconceito linguístico. Por mais que haja descrições, às vezes amplas, e acréscimos de exemplos – altamente necessários para situar o leitor na discussão – a linguagem que o autor utiliza para falar do tema é simples e vantajosa, pois faz com que os capítulos transcorram de forma organizada.

O autor reúne os destaques e as críticas que bem lhe cabem para o assunto. Ele apresenta propostas e debates e discorre opiniões. Bagno, em certos momentos, instiga o leitor a ter uma opinião sólida sobre o tema, assim como ele, que tem uma posição clara e criteriosa e nos mostra isso.

Preconceito linguístico pode ser considerada uma leitura obrigatória não só para os pesquisadores e estudiosos da área, mas também aos interessados no assunto, que queiram saber mais sobre esse tipo de preconceito pouco discutido, mas que carrega grande reflexão, por vezes indispensável.

Bagno mostra que é preciso falar de preconceito linguístico e contribui fortemente com essa incursão que as páginas do livro retêm. Preconceito linguístico merece ser lido não para bisar tal discussão, mas para introduzir um tema essencial que envolve um dos maiores e mais relevantes elementos do ser humano: a língua. E nem com ela deve haver preconceito.


*** Essa resenha foge ao modelo habitual do site por um devido motivo. Ela não foi produzida especialmente para o Ser de Livros, diferente das outras resenhas que aqui publico. Resenhei o livro Preconceito Linguístico para a faculdade, mais especificamente para a disciplina de Teoria Linguística. Portanto, essa resenha que vos apresento está mais voltada à norma culta da língua portuguesa e às modalidades padrões do gênero acadêmico.