A Redoma de Vidro, de Sylvia Plath

A Redoma de Vidro, de Sylvia Plath 2Existem livros que, de alguma forma, mexem muito com o leitor. Ou o enredo que o aproxima em relação com a própria realidade ou a narrativa que é tão bem construída a ponto de prendê-lo naquela história ou qualquer elemento capaz de, no final da leitura, fazer o leitor fechar o livro e ter aquele momento de silêncio interior que não se sabe nem o que pensar nem o que fazer; aquela sensação de não saber nem o que sentir.

A Redoma de Vidro é um desses livros. Arrebatador, no sentido literal do sentimento.


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Esther Greenwood, a protagonista da história, é uma jovem estudante do subúrbio de Boston que está estagiando, durante o verão, em uma famosa revista feminina de Nova Iorque. Mas essa experiência não está sendo exatamente como ela havia pensado.

Na grande metrópole, as jovens se encaixam rapidamente ao estilo de vida e têm a certeza de que é aquilo que querem e desejam. Esther, no entanto, descobre, juntamente com o leitor, que não tem certeza de nada.

Essas indecisões que percorrem a cabeça da personagem são o ponto de partida para o que está por vir.

“Me vi sentada embaixo da árvore, morrendo de fome, simplesmente porque não conseguia decidir com qual figo eu ficaria. Eu queria todos eles, mas escolher um significava perder todo o resto, e enquanto eu ficava ali sentada, incapaz de tomar uma decisão, os figos começaram a encolher e ficar pretos e, um por um, desabaram no chão aos meus pés.”

Sem ânimo, Esther começa a levar a vida meio desorientada. Gradativamente, essa desorientação faz Esther ficar deprimida. E aí surge uma avalanche de acontecimentos. Esther não consegue mais dormir nem ler nem escrever. Passo a passo, o estado mental da personagem só piora.

É nesse universo que o leitor mergulha, numa decadência que leva Esther ao fundo do poço. E isso sucede de forma drástica. Como se estivesse presa em uma redoma de vidro, ela descreve o que lhe acontece objetivamente. O diagnóstico você já sabe qual é: ela entra em depressão.

“Peça por peça, ofereci meu guarda-roupa ao vento noturno, e os farrapos flutuaram como as cinzas de uma pessoa amada, pousando aqui, ali, em lugares que eu jamais conheceria, no coração escuro de Nova York.”

Preciso dizer – e direi logo: este não é um livro para se ler em um momento ruim de sua vida. Se, por alguma razão, você não está muito bem, aconteceu alguma coisa que te deixou pra baixo, meio triste, não leia esse livro.

A Redoma de Vidro tem um alto poder que é o seguinte: a capacidade de abalar o leitor. A Redoma de Vidro é um impacto que pesa na vida do leitor e faz isso sem avisar. Não há placas sinalizando para o leitor para o que ele deve se preparar.

A realidade é que a essência da história é pesada. A personagem narra fatos sem preparar o leitor para isso. E – quer saber? – nem a própria personagem está preparada para o que a história lhe convida.

“Um pontinho no meu corpo ouvia o chamado e voava em sua direção. Senti meus pulmões inflarem, invadidos pelos elementos da paisagem: ar, montanhas, árvores, pessoas. Pensei comigo: “ser feliz é isso”.”

A obra trata de acontecimentos muito humanos. Esther descreve ao leitor sensações reais. Mas a história é narrada de forma seca, por vezes sem piedade. É uma agonia que suga o leitor assim como a história suga a personagem.

E aqui saliento a perfeição de Sylvia Plath. A autora do livro sabia muito bem o que estava fazendo. As imagens criadas por ela e que a personagem passa ao leitor são cenas fortes, mas a narrativa de Sylvia Plath é impressionantemente poética.

A leitura da obra é muito fluída, fácil, rápida. Em certos pontos, chega até ser bonita de se ler. O modo como a autora intercala as comparações é absurdamente fatal para o mergulho do leitor.

“Nunca me sinto tão eu mesma como numa banheira de água quente.”

O grande “problema” ou, em outras palavras, a grande estratégia de A Redoma de Vidro é o tratamento com o assunto que vai além de ser ou não uma doença. O leitor, em certo momento, tem que admitir que talvez a situação de Esther seja muito pior do que isso, beirando a loucura. Sim, a loucura. Além da sanidade, Esther pode ser uma mulher neurótica.

Pela perspectiva da personagem, o leitor de A Redoma de Vidro entra na crise emocional que ali acontece, vivencia os conflitos internos, os comportamentos desorientados, a total perda de controle dos sentimentos.

Sylvia Plath trata do suicídio de forma sutil, calma e por vezes delicada. Pior do que na prática, ela levanta a questão na mente da personagem, mais de uma, duas ou três vezes. As construções de pensamentos de Esther são o abalo fadado do leitor.

A Redoma de Vidro foi publicado em 1963 sob o pseudônimo Victoria Lucas. Mas depois assumiu-se a obra como sendo o único romance da escritora e grande poeta norte-americana Sylvia Plath. O livro não é uma autobiografia, porque nomes de pessoas e lugares foram alterados, mas a vida da protagonista é muito semelhante à da autora, que cometeu suicídio, aos 30 anos, um mês após a primeira publicação da obra.

O final de A Redoma de Vidro, no entanto, é quase como um renascimento. Mas o caminho é árduo.

“Fui até o armário de remédios. Se fizesse aquilo olhando no espelho, seria como assistir a outra pessoa, num livro ou numa peça.

Mas a pessoa no espelho estava paralisada e era estúpida demais para fazer qualquer coisa.”

4 poemas de Paulo Leminski

4 poemas de Paulo LeminskiEscritor, tradutor, professor e crítico literário, o brasileiro Paulo Leminski é um dos nomes mais frequentes e influentes na poesia nacional. O poeta natural de Curitiba nasceu no dia 24 de agosto de 1944 e morreu de cirrose hepática aos 44 anos, em 1989.

Sua obra é composta não só de poesias, mas também de prosa, ensaios, biografias e várias parcerias musicais. Confira quatro poemas de Leminski, autor de obra poética marcada pelo lirismo que deixou um legado expressivo:

Sem título

Eu tão isósceles
Você ângulo
Hipóteses
Sobre o meu tesão

Teses sínteses
Antíteses
Vê bem onde pises
Pode ser meu coração

Dor elegante

Um homem com uma dor
É muito mais elegante
Caminha assim de lado
Com se chegando atrasado
Chegasse mais adiante

Carrega o peso da dor
Como se portasse medalhas
Uma coroa, um milhão de dólares
Ou coisa que os valha

Ópios, édens, analgésicos
Não me toquem nesse dor
Ela é tudo o que me sobra
Sofrer vai ser a minha última obra

A lua no cinema

A lua foi ao cinema,
passava um filme engraçado,
a história de uma estrela
que não tinha namorado.

Não tinha porque era apenas
uma estrela bem pequena,
dessas que, quando apagam,
ninguém vai dizer, que pena!

Era uma estrela sozinha,
ninguém olhava pra ela,
e toda a luz que ela tinha
cabia numa janela.

A lua ficou tão triste
com aquela história de amor
que até hoje a lua insiste:
— Amanheça, por favor!

Razão de ser

Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso,
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece,
E as estrelas lá no céu
Lembram letras no papel,
Quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?


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Laranja Mecânica, de Anthony Burgess

Laranja Mecânica, de Anthony Burgess 2Imagine uma fruteira cheia de laranjas. Você escolhe uma, muito cheirosa, corta ao meio e… tcharam! Gomos suculentos, exatamente como você esperava. Uma laranja que pode dar um ótimo suco. Então você pega outra laranja, também corta ao meio e… tcharam! A laranja está podre. O que você faz? Joga fora. Daí você volta à fruteira, pega mais uma laranja, enfia a faca e… tcharam! Dentro dela, engrenagens. Uma máquina. Uma laranja mecanizada, impossível de ser cortada, indestrutível, manipulada por maquinismos.

Do organismo ao mecanismo, as laranjas poderiam ser, “Ó, meus irmãos”, seres humanos. O que, afinal, seria melhor? Ser uma laranja boa, considerada comum, uma laranja podre, de pouca utilidade, ou uma laranja mecânica?


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Comecemos pela história: Alex, o protagonista, é um jovem um tanto quanto delinquente. Ele e sua gangue têm o costume de, à noite, se divertir pelas ruas da cidade. Falando besteira, tomando drogas sintéticas e cometendo crimes. Em total falta de respeito com as leis da sociedade, em constante desafio com a polícia, os malfeitores juvenis fazem isso por prazer. E não pense em sutileza, não. Eles são violentos de verdade. Os adolescentes fora da lei agridem, roubam, mutilam, vandalizam, estupram e até assassinam.

Os acontecimentos primeiros do enredo são brutais, impetuosos e selvagens. O universo que o leitor de Laranja Mecânica é inserido logo de cara é de pura violência, descrita no mais violento caráter.

“E você ficava assim meio que tipo hipnotizado pela sua bota ou pelo sapato ou pela unha, tanto faz, e ao mesmo tempo você ficava meio como se te pegassem pelo cangote e sacudissem que nem um gato. Você é sacudido sem parar até não sobrar mais nada. Você perde seu nome, seu corpo, seu eu e não está nem aí, e espera até sua bota ou sua unha ficarem amarelas, e ficarem cada vez mais amarelas.”

Então, certo dia, Alex finalmente é capturado pela polícia. O caso perdido, no entanto, não quer ser tão perdido assim. A prisão é considerada pouco e o Estado interfere no caso de Alex colocando o jovem como cobaia de um procedimento científico.

Essa forma de terapia da aversão tem o claro objetivo de eliminar propensões criminosas. Curar comportamentos agressivos, tornar o mau em bom. A intenção é tornar a sociedade livre do crime.

Esse procedimento, porém, é tão selvagem quanto os crimes que ele quer combater. Ignorando limites, sem querer saber se o Estado foi ou não longe demais, o extremo funciona, dá certo. Alex não pode nem pensar em atos violentos que se sente mal, em total desespero nauseante.

“- Você deverá ser transformado em um bom garoto, 6655321. Nunca mais terá qualquer desejo de cometer atos de violência contra a Paz do Estado. Espero que você aceite tudo isso. Espero que sua mente esteja absolutamente clara a respeito disso. – Eu disse: – Ah, será bom ser bom, senhor. – Mas por dentro eu estava smekando muito horrorshow, irmãos.”

Publicado em 1962, o livro Laranja Mecânica é uma impecável ficção. Mas como toda boa história ficcional, levanta questões pra cá da realidade. Até que ponto o Estado, visando a paz social, pode interferir na liberdade do ser humano?

Laranja Mecânica não é uma história sobre violência. É sobre liberdade! Reflitam: ser humano é ter poder de escolha?

Alex não é só um adolescente de impulsos criminosos. Por que ele apreciaria então a arte de Beethoven? Alex é um humano, de essência. Ao “curar” a agressividade do jovem, o Governo mata também a natureza de Alex.

“O que eu queria não era algo violento, mas algo que me fizesse simplesmente dormir com suavidade, e isso seria o fim de Vosso Humilde Narrador, sem causar mais problemas para ninguém nunca mais.”

Laranja Mecânica é muito mais do que o filme do Kubrick, de tamanho sucesso mundial. Laranja Mecânica é um ícone da literatura.

Anthony Burgess, o autor do livro, disse uma vez que escreveu a obra às pressas, quando, diagnosticado com uma doença fatal, não queria deixar sua esposa sem recursos financeiros. Não sabia ele que o médico estava errado e que ele viveria mais 40 anos. Às pressas ou não, o resultado foi tamanho.

Registro aqui a perfeição de uma edição especial de 50 anos da obra mundial. Uma edição que traz não só caprichada revisão e tradução, mas também ilustrações e textos inéditos. Um trabalho à altura da obra de Burgess que, além de tantas coisas, é marcada também pela absoluta criatividade quanto à linguagem. A história é inteiramente traçada com uma nova forma de comunicação. É um livro de glossário, sim. Mas é um novo vocabulário, projetado com primor para um marco literário.

O protagonista anti-herói, personagem fruto de grande engenhosidade, faz Laranja Mecânica entrar para a história da literatura tratando muito além da possível transição da maldade para a bondade. Porque, como o próprio autor declarou:

“É melhor ser mau a partir do livre-arbítrio do que ser bom por meio de lavagem cerebral científica.”

Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis

Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis 2Joaquim Maria Machado de Assis, carioca de 1839. Em seus quase 70 anos de vida, consagrou-se como romancista, cronista, contista, folhetinista, poeta, dramaturgo, jornalista e crítico literário. O escritor foi e é até hoje por muitos considerado o maior autor da literatura brasileira e um dos grandes nomes da literatura mundial.

De família pobre e estudos precários, Machado de Assis assumiu cargos públicos pela intelectualidade natural. Publicou seus primeiros textos em jornais até fundar a Academia Brasileira de Letras. Em números: nove romances e peças teatrais, cinco compilações de poemas, duzentos contos e mais de seiscentas crônicas. Em foco, nesta resenha: Memórias Póstumas de Brás Cubas, obra que deu ao Machado de Assis o posto de introdutor do Realismo no Brasil.


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O menor dos spoilers, o mais óbvio fato: Brás Cubas está morto. É ele o narrador da história e, como diz o título, são essas as suas memórias póstumas. Pois é depois de morto que o personagem resolve nos contar sua vida.

Na narrativa póstuma de sua trajetória, Brás Cubas discorre e opina sobre as questões que quer discutir e faz isso sem receio de julgamentos alheios. Da infância até a juventude, depois até o fim de sua existência, o personagem fala sobre sua vida nos mais diversos aspectos e com as mais devidas lembranças. Quincas Borba, Prudêncio, Dona Eusébia, Eugênia, Marcela, Virgília, Lobo Neves, Cotrim, Nhã-Loló. São muitos os personagens que marcaram a vida de Brás Cubas.

Relacionamentos e envolvimentos, carreira política e ação beneficente. Tudo pano de fundo para uma história que é, em essência, melancólica. O fim de Brás Cubas é inevitável e conhecido.

“A razão não podia ser outra senão o momento oportuno. Não era oportuno o primeiro momento, porque, se nenhum de nós estava verde para o amor, ambos o estávamos para o nosso amor: distinção fundamental. Não há amor possível sem a oportunidade dos sujeitos.”

Produzido inicialmente como folhetim, Memórias Póstumas de Brás Cubas foi publicado como livro em 1881. Marcando um novo estilo de Machado de Assis, a obra é inovadora para a literatura nacional não só pela temática, mas também pela narrativa que deixa de ser linear para tratar de um cenário da maneira mais pessimista e indiferente possível, dando início, assim, ao chamado Realismo brasileiro.

Com entradas para a escravidão e para a luta de classes sociais, o livro também tenta criar uma nova filosofia, o Humanitismo, uma lei (satírica) melhor desenvolvida posteriormente no romance Quincas Borba, de 1891.

Memórias Póstumas de Brás Cubas é considerada uma das obras mais revolucionárias da literatura nacional, sendo chamada até de primeira narrativa fantástica do Brasil.

“Saí, afastando-me dos grupos, e fingindo ler os epitáfios. E, aliás, gosto dos epitáfios; eles são, entre a gente civilizada, uma expressão daquele pio e secreto egoísmo que induz o homem a arrancar à morte um farrapo ao menos da sombra que passou. Daí vem, talvez, a tristeza inconsolável dos que sabem os seus mortos na vala comum; parece-lhes que a podridão anônima os alcança a eles mesmos.”

O defunto mais falado da literatura brasileira, Brás Cubas, defunto-autor, não autor defunto, como o próprio faz questão de afirmar, não quer ser um grande escritor morto e sim um morto capaz de escrever.

Para ler essas memórias póstumas, há de se entender isso e não rebater tal questão. Brás Cubas, afinal, é obra de Machado de Assis, um gênio da literatura e também, é claro, da ironia. Afinal, Brás Cubas se ausenta de culpabilidades ao encerrar suas memórias dizendo que não teve filhos para não transmitir “a nenhuma criatura o legado da nossa miséria”.

“Agora, quero morrer tranquilamente, metodicamente, ouvindo os soluços das damas, as falas baixas dos homens, a chuva que tamborila nas folhas de tinhorão da chácara, e o som estrídulo de uma navalha que um amolador está afiando lá fora, à porta de um correeiro. Juro-lhes que essa orquestra da morte foi muito menos triste do que podia parecer. De certo ponto em diante chegou a ser deliciosa. A vida estrebuchava-me no peito, com uns ímpetos de vaga marinha, esvaía-se-me a consciência, eu descia à imobilidade física e moral, e o corpo fazia-se-me planta, e pedra e lodo, e coisa nenhuma.”

Monteiro Lobato Contos Completos

Monteiro Lobato Contos Completos 2De Taubaté, interior de São Paulo, Monteiro Lobato (1882 – 1948) faz parte da lista de escritores mais influentes da literatura brasileira. É popularmente conhecido por sua obra infantil de contexto educativo, mas essa linha de literatura infantil constitui metade de sua produção literária. A outra metade inclui artigos, crônicas, livros sobre o ferro e o petróleo e, principalmente, contos. Monteiro Lobato também foi um grandíssimo produtor de contos, todos eles reunidos nessa bela edição que é Monteiro Lobato Contos Completos.


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Contista, tradutor, ensaísta e editor, Monteiro Lobato formou-se em Direito e atuou como promotor público. Após receber a herança deixada pelo avô, tornou-se fazendeiro. E foi nesse novo estilo de vida que o escritor começou a publicar contos em jornais e revistas.

Dono de tremendo sucesso literário infantil, criador de personagens históricos como a boneca de pano Emília, as crianças Pedrinho e Narizinho, a Cuca, o Visconde de Sabugosa, o Saci Pererê, entre tantos outros marcos que constituíram o famoso Sítio do Picapau Amarelo, Monteiro Lobato deixou quatro obras de contos. E são esses quatro livros de contos que estão reunidos em Monteiro Lobato Contos Completos.

“Quem a essa hora penetrasse no oratório da fazenda notaria nas vermelhas rosas de papel de seda que enfeitavam o santo Antônio a ausência de várias pétalas, e aos pés da imagem uma velinha acesa. Na roça, o ruge e o casamento saem do mesmo oratório.” (O Comprador de Fazendas – Urupês)

O primeiro livro é Urupês, considerado por muitos sua obra prima como escritor. Publicado como obra em 1918, Urupês teve ótima repercussão e alcançou grande sucesso. Os contos nele contidos trazem à tona a figura do caipira, do caboclo, e inauguram na literatura brasileira o chamado regionalismo crítico, conhecido por ser mais realista do que o produzido anteriormente no Romantismo. É em Urupês também que Monteiro Lobato apresenta o Jeca Tatu, um de seus personagens mais conhecidos nessa metade de literatura adulta do escritor.

Em Urupês, destaco contos como “O Engraçado Arrependido”, “O Comprador de Fazendas” e o belíssimo “A Colcha de Retalhos”, um dos contos mais lindos que já li.

“Depois? Depois a gripe inclinou, a normalidade foi se restabelecendo e os dois filhos restantes voltaram à casa materna. Em que estado! O menino, semimorto, cadavérico, e a Inês (só ao vê-la chegar soube Isaura qual das duas morrera) e a Inês com uma tosse de tuberculosa. E ali ficaram, destroços de horrível naufrágio, aqueles três miseráveis molambos de vida, sob a assistência da negra enfermeira – a Fome. Continuaram a viver, sem saber como, por instinto – num desvario, numa alucinação…” (Fatia de Vida – O Macaco Que Se Fez Homem)

A segunda obra de contos dessa edição é Cidades Mortas, publicada em 1919. Nesse livro, o autor dá ênfase para a decadência do Vale da Paraíba, citando um cenário decorrente da abolição da escravatura. “A Vida em Oblivion” é um dos variados contos dessa obra.

Negrinha, de 1920, é o terceiro livro da coletânea. É considerado por muitos como o livro de contos com os melhores já escritos por Monteiro Lobato. Os personagens dos contos de Negrinha são um pouco mais urbanos, mas o grande trunfo de Negrinha é a emoção contida em cada conto.

“Negrinha”, o conto que dá nome ao livro, está em lista de vestibulares e é uma das coisas mais sensíveis, no sentido emocional da leitura, que um leitor de Monteiro Lobato pode vir a ler. “O Fisco (Conto de Natal)” e “Uma História de Mil Anos” também valem a leitura.

O último livro dessa compilação de contos do autor é O Macaco Que Se Fez Homem, de 1923.

“(…) quando grossas nuvens reunidas no céu entraram a desmanchar-se. Sinal certo de chuva. Para confirmá-lo, um vento brusco, raspante, veio quebrar o mormaço, vascolejando a terra como a preveni-la do iminente banho meteórico. Remoinhos de poeira sorviam folhas secas e gravetos, que lá torvelinhavam em espirais pelas alturas. (…) E os primeiros pingos vieram, escoteiros, pipocar no chão ressecado. (…) E as bategas vieram, furiosas, em cordas d’água a prumo, como devia ser no chuveiro bíblico do dilúvio universal.” (Os Negros – Negrinha)

Monteiro Lobato Contos Completos é uma grande obra para os admiradores do escritor brasileiro. Pelas mais de 600 páginas de uma edição muito bem trabalhada, produzida com imagens e fotografias originais da vida do autor, o leitor percorre a obra de Monteiro Lobato em um momento do Brasil dominado pela pobreza.

As descrições, os temas escolhidos, o tratamento com a linguagem e até a crítica social presente nas obras, destacam uma preciosidade da literatura brasileira que entra para a história com a qualidade devida. Assim como toda a sua obra infantil, os contos de Monteiro Lobato mostram a integridade que há em se ter para com ele o respeito que ele merece.

“Calou-se, a lacrimejar, trêmula.
Calei-me também, opresso dum infinito apertão de alma.
Que quadro imensamente triste, aquele fim de vida machucado pela mocidade louca!…
E ficamos ambos assim, imóveis, de olhos presos à colcha.
Ela por fim quebrou o silêncio.
– Ia ser o meu presente de noivado. Deus não quis. Será agora a minha mortalha. Já pedi que me enterrassem com ela.
E guardou-a dobradinha na caixa, envolta num suspiro arrancado ao imo do coração.
Um mês depois morria. Vim a saber que lhe não cumpriram a última vontade.
Que importa ao mundo a vontade última duma pobre velhinha da roça?
Pieguices…” (A Colcha de Retalhos – Urupês)