Quarto, de Emma Donoghue

Quarto, de Emma Donoghue 2A justificativa pela escolha do livro desta semana poderia ser o fato de que essa obra foi recentemente adaptada para o cinema. O filme O Quarto de Jack não demora para estrear no Brasil. A atuação de Brie Larson rendeu recentemente o prêmio Globo de Ouro de melhor atriz. Mas não é por isso que quis resenhar essa obra. Já faz um tempo que li esse livro, logo que foi lançado, em 2011. E ele me chamou atenção desde aquela época.

Os livros e essa mania de nos fazer mergulhar na história e adentrar no mundo criado pelo autor.

Quarto é um desses livros. Desde o começo da história, me vi no ambiente caracterizado pela obra. Como se ficasse de lado, num canto, observando os personagens “atuando”. Mergulhei profundo e acompanhei o menino Jack em cada passo. Passos gigantes em um espaço minúsculo demais.


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Jack é um menino de cinco anos que poderia ser inocente como qualquer outro garoto de sua idade. Mas Jack não sabe nada. E quando eu digo nada… Você vai entender.

Jack nunca saiu do Quarto. Sim. Jack nunca teve contato com o mundo exterior. Da porta pra fora, o menino Jack nunca pisou.

Vou explicar! A mãe de Jack, tratada como Mãe durante todo o livro – tática genial, diga-se de passagem – foi sequestrada quando era mais nova. Desde então, ela é mantida em cativeiro. Eis que Jack entra na história. Mas o menino já chega ali dentro do Quarto. E é ali, no Quarto, que Jack e sua Mãe vivem sua pequena grande vida.

“Segunda-feira é dia de lavar roupa, aí a gente entrou na Banheira com meias, roupas de baixo, minha calça cinza onde espirrou ketchup, os lençóis e panos de prato, e esprememos toda a sujeira até ela sair. A Mãe esquentou o Termostato bem alto pra secar, puxou o Secador do lado da Porta, botou ele aberto e disse pra ele ser forte. Eu queria muito montar nele como quando era pequeno, mas agora sou tão enorme que podia quebrar as costas dele. Seria legal às vezes ficar menor de novo e às vezes maior, que nem a Alice.”

O menino Jack é o narrador da história. Em 1ª pessoa, o garoto narra sua vida de um modo inusitadamente cativante.

A vida de Jack é boa, mas a curiosidade faz o menino ansiar cada dia mais para conhecer o mundo exterior. A Mãe prefere não contar. E quando conta certas coisas, Jack custa a acreditar. Muito menos entender.

A vida boa de Jack, em certo momento, tem futuro indefinido. Um dia, a Mãe se cansa dessa vida e, desesperada pela liberdade, elabora um plano de fuga. A ideia de escapar daquele cativeiro é muito arriscada. E o desenrolar do caso sustenta o livro, que sustenta o leitor.

“Não consegui desligar, fiquei olhando fixo com tanta força pra Claraboia que os meus olhos coçaram, mas não vi nenhum outro avião. Mas eu vi mesmo aquele quando estava no alto do Pé de Feijão, não foi um sonho. Eu vi ele voando no Lá Fora, então existe mesmo um Lá Fora em que a Mãe foi pequenininha.”

Obra não tão conhecida, Quarto poderia virar tragédia, por ter como narrador um menino de apenas cinco anos. Mas a escritora irlandesa Emma Donoghue soube moderar mais que as palavras, os sentimentos.

A caracterização presente na narrativa da autora é de impressionar. O tratamento com o conteúdo também é bem provado. Desde a Mãe de nome não revelado até o trato de Jack com os objetos em letras maiúsculas.

Jack é um personagem adorável. A inocência do menino, a ingenuidade e a pureza são contextualizadas de forma crível. Até o amadurecimento de Jack é bem planejado.

Por mais que haja, sim, um perverso sequestrador em toda essa história, não somos, em momento algum, diretamente apresentados a ele. Deixar o vilão de lado foi outra grande ideia de Donoghue.

“No Guarda-Roupa, sempre tento espremer os olhos com força e desligar depressa, para não ouvir o Velho Nick chegar, e depois acordo e é de manhã e estou na Cama com a Mãe, tomando um pouco, e está tudo legal.”

Há um momento especial do livro que é incrível. Um momento divisor de águas que faz Jack ampliar seu mundo próprio. E a conexão com o personagem se abrange abruptamente, conforme a narrativa da autora usa e abusa cada vez mais das caracterizações.

O que o leitor pode perceber, no decorrer da história, é que talvez o menino Jack não seja o personagem principal do enredo, e sim o próprio Quarto.

Quarto é uma obra que merece ser lida e conhecida. É um livro profundo e arrebatador. A grandeza da simplicidade do pequeno grande mundo de Jack é absurdamente acolhedora. Uma história que vale o mergulho!

“Hoje eu tenho cinco anos. Tinha quatro ontem de noite, quando fui dormir no Guarda-Roupa, mas quando acordei na Cama, no escuro, tinha mudado pra cinco, abracadabra. Antes disso eu tinha três, depois dois, depois um, depois zero.

– Eu fui um número negativo?

– Hã? – disse a Mãe, dando uma espreguiçadona.

– Lá no Céu. Eu fiz menos um, menos dois, menos três…?

– Não, os números só começaram quando você desceu zunindo.

– Pela Claraboia. Você andava toda triste até eu acontecer na sua barriga.

 – Falou e disse.”