Laranja Mecânica, de Anthony Burgess

Laranja Mecânica, de Anthony Burgess 2Imagine uma fruteira cheia de laranjas. Você escolhe uma, muito cheirosa, corta ao meio e… tcharam! Gomos suculentos, exatamente como você esperava. Uma laranja que pode dar um ótimo suco. Então você pega outra laranja, também corta ao meio e… tcharam! A laranja está podre. O que você faz? Joga fora. Daí você volta à fruteira, pega mais uma laranja, enfia a faca e… tcharam! Dentro dela, engrenagens. Uma máquina. Uma laranja mecanizada, impossível de ser cortada, indestrutível, manipulada por maquinismos.

Do organismo ao mecanismo, as laranjas poderiam ser, “Ó, meus irmãos”, seres humanos. O que, afinal, seria melhor? Ser uma laranja boa, considerada comum, uma laranja podre, de pouca utilidade, ou uma laranja mecânica?


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Comecemos pela história: Alex, o protagonista, é um jovem um tanto quanto delinquente. Ele e sua gangue têm o costume de, à noite, se divertir pelas ruas da cidade. Falando besteira, tomando drogas sintéticas e cometendo crimes. Em total falta de respeito com as leis da sociedade, em constante desafio com a polícia, os malfeitores juvenis fazem isso por prazer. E não pense em sutileza, não. Eles são violentos de verdade. Os adolescentes fora da lei agridem, roubam, mutilam, vandalizam, estupram e até assassinam.

Os acontecimentos primeiros do enredo são brutais, impetuosos e selvagens. O universo que o leitor de Laranja Mecânica é inserido logo de cara é de pura violência, descrita no mais violento caráter.

“E você ficava assim meio que tipo hipnotizado pela sua bota ou pelo sapato ou pela unha, tanto faz, e ao mesmo tempo você ficava meio como se te pegassem pelo cangote e sacudissem que nem um gato. Você é sacudido sem parar até não sobrar mais nada. Você perde seu nome, seu corpo, seu eu e não está nem aí, e espera até sua bota ou sua unha ficarem amarelas, e ficarem cada vez mais amarelas.”

Então, certo dia, Alex finalmente é capturado pela polícia. O caso perdido, no entanto, não quer ser tão perdido assim. A prisão é considerada pouco e o Estado interfere no caso de Alex colocando o jovem como cobaia de um procedimento científico.

Essa forma de terapia da aversão tem o claro objetivo de eliminar propensões criminosas. Curar comportamentos agressivos, tornar o mau em bom. A intenção é tornar a sociedade livre do crime.

Esse procedimento, porém, é tão selvagem quanto os crimes que ele quer combater. Ignorando limites, sem querer saber se o Estado foi ou não longe demais, o extremo funciona, dá certo. Alex não pode nem pensar em atos violentos que se sente mal, em total desespero nauseante.

“- Você deverá ser transformado em um bom garoto, 6655321. Nunca mais terá qualquer desejo de cometer atos de violência contra a Paz do Estado. Espero que você aceite tudo isso. Espero que sua mente esteja absolutamente clara a respeito disso. – Eu disse: – Ah, será bom ser bom, senhor. – Mas por dentro eu estava smekando muito horrorshow, irmãos.”

Publicado em 1962, o livro Laranja Mecânica é uma impecável ficção. Mas como toda boa história ficcional, levanta questões pra cá da realidade. Até que ponto o Estado, visando a paz social, pode interferir na liberdade do ser humano?

Laranja Mecânica não é uma história sobre violência. É sobre liberdade! Reflitam: ser humano é ter poder de escolha?

Alex não é só um adolescente de impulsos criminosos. Por que ele apreciaria então a arte de Beethoven? Alex é um humano, de essência. Ao “curar” a agressividade do jovem, o Governo mata também a natureza de Alex.

“O que eu queria não era algo violento, mas algo que me fizesse simplesmente dormir com suavidade, e isso seria o fim de Vosso Humilde Narrador, sem causar mais problemas para ninguém nunca mais.”

Laranja Mecânica é muito mais do que o filme do Kubrick, de tamanho sucesso mundial. Laranja Mecânica é um ícone da literatura.

Anthony Burgess, o autor do livro, disse uma vez que escreveu a obra às pressas, quando, diagnosticado com uma doença fatal, não queria deixar sua esposa sem recursos financeiros. Não sabia ele que o médico estava errado e que ele viveria mais 40 anos. Às pressas ou não, o resultado foi tamanho.

Registro aqui a perfeição de uma edição especial de 50 anos da obra mundial. Uma edição que traz não só caprichada revisão e tradução, mas também ilustrações e textos inéditos. Um trabalho à altura da obra de Burgess que, além de tantas coisas, é marcada também pela absoluta criatividade quanto à linguagem. A história é inteiramente traçada com uma nova forma de comunicação. É um livro de glossário, sim. Mas é um novo vocabulário, projetado com primor para um marco literário.

O protagonista anti-herói, personagem fruto de grande engenhosidade, faz Laranja Mecânica entrar para a história da literatura tratando muito além da possível transição da maldade para a bondade. Porque, como o próprio autor declarou:

“É melhor ser mau a partir do livre-arbítrio do que ser bom por meio de lavagem cerebral científica.”