Um dos escritores contemporâneos mais populares do Brasil, Luis Fernando Verissimo coleciona obras e mais obras. Quando li, tempos atrás, um livro desse autor, não achei nada de mais. Agora, lendo outro livro desse autor, voltei à mesma sensação. Encasquetei com Verissimo.
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Começo esse texto dizendo que: posso estar completamente errado! Talvez seja a primeira obra que trago e que eu realmente não gostei. Talvez, até, nunca tenha tido grandes problemas com autores. Mas, sim, cismei com Luis Fernando Verissimo.
Por isso mesmo vou começar falando do próprio. Verissimo é filho do também escritor Érico Veríssimo. Nascido em 1936, o gaúcho é nacionalmente conhecido por sua vasta lista de títulos publicados no mercado. Iniciou a carreira dedicada à escrita tardiamente, quando já era adulto. Começou escrevendo em jornais. Dali, foi revisor, publicitário, tradutor, cartunista, roteirista de TV, autor de teatro e humorista.
Pois bem… É exatamente nessa questão que entro ao falar de As Mentiras que as Mulheres Contam (2015). Como já disse, é o segundo livro do autor que leio. O primeiro foi Comédias para se ler na Escola.
Se As Mentiras que as Mulheres Contam era para ser engraçado, me desculpem, mas não achei. Chega a ser complicado falar sobre isso, já que Luis Fernando Verissimo é tão admirado por seu cômico senso de humor.
Dizem que Verissimo é versátil, que escreve de um tudo. Disso não discordo. Dizem que Verissimo tem uma imaginação fértil. Disso também não discordo. E o problema talvez seja esse. A imaginação é tão fértil, tão fértil, que a obra chega a ser uma confusão de histórias incongruentes e desatinadas.
Mais uma vez, peço desculpa aos admiradores. E, mais uma vez, afirmo que posso estar altamente enganado. Mas a verdade é que, para mim, não desceu. Não ri das histórias e, por vezes, as achei um tanto forçadas. Bobas demais ou absurdas demais.
Outras duas questões que quero citar rapidamente são: 1) Coletânea de crônicas? Os textos dessa obra estão mais para minicontos, não? 2) E esse título? Se As Mentiras que as Mulheres Contam era para falar sobre as mentiras que as mulheres contam, mil perdões, têm alguns textos encaixados a mais nessa compilação.
Pode ser que Verissimo mereça uma terceira chance. Pode ser que se eu ler mais uma de suas dezenas de obras eu volte atrás e diga: meu problema não é com o autor. E pode ser que não. Isso, no entanto, não acontecerá tão cedo.
Encerro trazendo uma das crônicas-mais-para-minicontos-melhor-chamar-de-texto de As Mentiras que as Mulheres Contam. Para os amantes do bem humorado escritor, bom proveito. Para os desconhecidos, também. Além de riso solto ou coração de pedra – questão de gosto!! -, bem escritos não deixam de ser.
“O Grupo
Traumatizadas com a morte recente de Rapunzel, cujo cabelo ficou preso na roda do carro, quebrando o seu pescoço, e com o estado da Bela Adormecida que, recuperando-se de um desquite litigioso, está internada numa clínica fazend
o sonoterapia, as quatro amigas mal conseguem tomar seu chá. Estes seus encontros semanais, outrora tão cheios de risadas, reminiscências e confidências, estão se tornando aborrecidos. Cinderela suspira.
– Sabem o que é? Nós estamos ficando velhas…
Chapeuzinho Vermelho ajeita, distraidamente, o seu chapeuzinho azul. Ela abandonou o vermelho depois de ouvir cochichos, no grupo, de que não renovava seu guarda-roupa. Ela é a única que não está deprimida. Atribui seu bom humor permanente a um bom ambiente familiar, na infância. Ao contrário de Cinderela e Branca de Neve, vítimas de graves conflitos de gerações com suas madrastas, Chapeuzinho teve um bom relacionamento com sua mãe e admirava sua vovozinha, a que, depois do incidente com o lobo, declarou que tinha “nascido de novo”, fez uma plástica, casou com um dos caçadores e morreu na pista de uma discoteca, aos 98 anos.
– Você não pode se queixar da sua vida, Cin – observa Branca de Neve, cuja palidez denuncia noites de dissipação e o uso excessivo de barbitúricos. – Você casou com o príncipe, sua sapataria vai bem…
– Pois eu trocaria tudo isso por minha juventude. E lembrar que um dia fui chamada de Pantera Borralheira…
– E eu, gorda desse jeito e ainda chamada de Mariazinha…
Quem fala é a irmã de Joãozinho, protagonista de um famoso caso de desencaminhamento de menores na floresta. Ela come compulsivamente. Seu analista já lhe explicou que ela come para se auto-punir por um sentimento incestuoso por Joãozinho, que também é enorme de gordo, foi à falência tentando transformar a casa de chocolate da bruxa numa atração turística (caçadores de souvenir comeram a casa) e hoje vende enciclopédias.
– Não me diga que você também sente falta dos velhos tempos, Branca – diz Chapeuzinho.
– Deus me livre! Vocês não imaginam o que era cuidar da casa para sete anões. Todos os dias fazer as sete caminhas, lavar sete cuequinhas…
– É verdade que…
– Não! Nunca! Uma vez um deles se embriagou e invadiu meu quarto, mas eu o atirei pela janela. Foi depois dessa noite que eu comprei um pequinês para me defender. Nunca houve nada.
– Bom, já que começamos com as confidências, vou contar do meu casamento com o príncipe – diz Cinderela.
– Vai dizer que também nunca houve nada entre vocês?
– Nada. Só o que ele queria era acariciar o meu pé. Acabei tendo um caso com o cocheiro.
– O tal que era um rato e virava cocheiro com o toque da varinha mágica?
– Olha, com o caráter dele, era um rato que com o toque da varinha mágica se transformava num rato maior.
– E o seu príncipe encantado, Branca? O que acordou você com um beijo depois da morte, depois que você mordeu a maçã envenenada. Você também se arrependeu?
– Só posso dizer que, comparando os dois, gostei mais da maçã…
– Mas depois ele ficou rei…
– Ficou rei e deu aquele vexame, desfilando nu pela rua.
– Eu não sabia que o rei daquela história tinha sido ele!
– Se é rei e fez bobagem, pode apostar que é o meu. A única vantagem é que a nossa corte não precisa de bobo. Ele acumula as funções.
– Vocês é que são felizes – diz Cinderela, apontando para Chapeuzinho e Mariazinha, que está com a boca cheia de biscoitos. – Não tiveram “príncipes encantados” em suas vidas. Vejam a Bela Adormecida. Esta pelo menos teve a coragem de pedir desquite. Nós não podemos. Temos que preservar nossa imagem. O tal “e viveram felizes para sempre…” é um compromisso moral. Não temos saída. Quer dizer, ninguém pode nos culpar por termos amantes. Eu não posso ver passar um rato sem usar a minha varinha. E a Branca aqui pega qualquer um também.
– Não sendo anão…
– Nós fomos bobas, isso sim – continua Cinderela. – A Rapunzel continuou com suas tranças porque seu príncipe a proibiu de cortar os cabelos e olhem o que lhe aconteceu. Se já existisse o feminismo no nosso tempo, nossas histórias seriam outras.
– Certo! Eu botava os anões a trabalhar pra mim. E não me sentiria comprometida com o príncipe só porque o beijo dele me ressuscitou. Ele não me compraria por tão pouco!
– E eu, em vez de ficar em casa sendo maltratada pela minha madrasta e as duas irmãs, ia sair, arranjar emprego, estudar Comunicação, sei lá. Com trabalho, perseverança, decisão – e a varinha mágica, claro – faria uma bela carreira e depois compraria um príncipe ou dois.
– Meu analista diz que a culpa do meu trauma de infância foi a minha dependência excessiva do Joãozinho – diz Mariazinha.
– E eu me deixei enganar, inocentemente, por um lobo! – exclama Chapeuzinho. – Devia ter desconfiado que era ele e não a vovozinha em cima daquela cama porque ele estava fazendo tricô com um ponto que a vovó nunca usava!
– Enfim… – suspira Cinderela.
– O pior vocês não sabem – diz Branca de Neve. – O pior é que a história se repete. Outro dia, quando me dei conta, estava perguntando para o espelho do banheiro, lá em casa, se havia no mundo alguém mais bonita do que eu. Ele respondeu que sim. Fiquei furiosa e perguntei: “Quem?” E ele disse: “Você quer em ordem alfabética?”
Mas Cinderela não está ouvindo. Seu olhar está fixo num canto da sala. Lentamente, sem desviar o olhar, ela procura na bolsa pela sua varinha mágica.
– O que é, Cin?
– Ssshh. Acho que vi um rato. E dos grandes!”