Aos 7 e aos 40, de João Anzanello Carrascoza

Aos 7 e aos 40, de João Anzanello Carrascoza 2Tocante. Talvez seja essa a melhor palavra capaz de definir Aos 7 e aos 40.

Não sei se eu teria encontrado esse livro nos dedilhados das estantes das livrarias. Não sei se eu teria esbarrado com esse livro nas buscas bruscas e discretas da aleatória curiosidade. Não sei se eu teria sido apresentado a esse livro nos cotidianos dos atos da vida. Talvez eu nunca tivesse tido a grande oportunidade que é ler Aos 7 e aos 40. Talvez, se não pela ocasião que foi, eu nunca tivesse conhecido Aos 7 e aos 40. E isso seria uma grande pena…


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“De volta pra casa, o ônibus estava silencioso, os meninos maiores sem nada pra comemorar. No embalo do motor, de repente, não sei porquê, me lembrei forte, muito forte, da prima Teresa. Ela, na minha memória, com o seu sorriso. Então, livre da sua ausência, eu fiquei pensando que, às vezes, é preciso mesmo olhar pra trás se queremos ir em frente.”

Aos 7 e aos 40 é o primeiro romance do grande contista João Anzanello Carrascoza. Brasileiro, do interior paulista, Carrascoza, entre diversos livros de contos e também histórias infantojuvenis, tem dois romances publicados. Aos 7 e aos 40 é de 2013.

A obra apresenta recortes do cotidiano de uma vida. Vida retratada em dois momentos distintos: aos sete e aos quarenta anos.

“Enquanto se adaptavam, esse à companhia daquele, vieram outros assuntos, gerais ou só dos dois, e, pela comunhão que urdiam com as palavras, foram se deixando ser quem de fato eram, pai e filho de volta um para o outro, esquecidos de que um dia não estariam mais ali, de que não seriam, no minuto seguinte, os mesmos de agora.”

Por meio desses recortes, que acontecem na infância e na maturidade, conhecemos o protagonista dessa vida e o cotidiano que nela ronda. Em acontecimentos marcantes, observamos amizades, relações, aventuras, dores, alegrias, dificuldades e emoções.

“O silêncio sangrava, entre eles, feito uma ferida; o menino, entregue, cabeceava de sono no colo da mãe. Quando se aproximavam da farmácia, uma longa explosão de fogos de artifício rasgou a quietude da noite. O homem voltou a pensar naquele vizinho, a devolver a bola que ele e o irmão jogavam, sem querer, do outro lado. Sabia, era uma certeza visceral, que o seu time havia ganho o campeonato, – e sabia, também, mirando pelo retrovisor o vulto único no banco de trás, que uma perda, lá adiante, o esperava.”

O livro conta a história desse personagem nunca nomeado em dois momentos diferentes. Mas o livro também conta duas histórias simultaneamente. Isso porque alguns capítulos podem ser lidos em qualquer sequência – embora não seja algo que eu recomende.

O que é interessante de observar é a personalidade do menino, o caráter que se forma na infância e se faz notar na maturidade.

“A Teresa estava lá, calada, à sombra da mangueira. Tão calada que eu pensei, mesmo sem sermos íntimos, Ela tá triste. Eu nem sabia ler a tristeza nas pessoas. Eu ainda errava no meu olhar. Mas aí eu me acerquei, no máximo de meu quieto, como se dizendo, Oi, eu tô aqui. Ela mirava o chão, sincera com as formigas. Ergueu a cabeça. Sorriu. Na minha impaciência, eu ia correr com as palavras, oferecendo um assunto pra nós. Mas, estranhamente, senti uma calmaria, quase de sono. Olhei bem pra ela. Pra ver tudo, nos detalhes. A cor dos olhos, o nariz arrebitado, a boca bonita, os dentes brancos clarinhos, tudo o que, pra mim, era o jeito dela. E, foi aí, de repente, que eu perdi toda a pressa do mundo.”

A estrutura do livro, no entanto, é uma das grandes sacadas de Carrascoza. Os capítulos são intercalados: os ímpares narram a infância e os pares, a vida adulta. De um jeito muito inovador, o autor constrói, assim, a oposição que já faz presença no texto. Uma estratégia que não para por aí.

Os títulos dos capítulos também reforçam certa oposição: “Depressa” e “Devagar”; “Nunca Mais” e “Para Sempre”; “Silêncio” e “Som”; “Fim” e “Recomeço”.

O projeto gráfico do livro também segue essa linha genial. Totalmente impresso sobre papel verde, o livro apresenta as narrativas da infância na parte superior da página e as da maturidade na parte inferior.

“Saímos. Antes de chegar na Kombi, olhei de rabo de olho e vi, surpreso, que meu pai estava chorando. Na hora eu achei que seria melhor não olhar, até procurei fingir, pra ele se controlar. Eu senti que ele se envergonharia se eu percebesse. Andamos depressa, a grande mão dele no meu ombro, num toque leve, um carinho resignado. Como quem não quer nada, fiz que estava atento ao movimento das ruas, mas vi a dor cobrindo o rosto dele quando o sol cintilou em seus olhos.”

Que livro, que talento, que prosa, que ideia. Aos 7 e aos 40 é breve e intenso, profundo e delicado. Pequeno, é um grande livro.

Sabe aqueles textos que lemos e ficamos admirados quando o autor parece escolher as palavras certas para dizer as coisas certas?

Aos 7 e aos 40 presenteia lições de vida e observações oportunas. O grande intento de Carrascoza, contudo, é evidenciar as pequenas coisas da vida, os pequenos atos do cotidiano. A vida, na verdade, é feita de pequenas coisas. O cotidiano é repleto de pequenos atos.

“Tanto que, ao ver o filho à porta do apartamento, seu coração começou a bater macio, como se enganasse o perigo que o impedia de ser afogar naquela felicidade. O mundo lhe parecia simples, os reencontros possíveis, nem se dava conta do milagre que o universo produzia para acontecer, entre um homem e seu filho, uns atos banais.”

Tocante. Sensível e tocante. Em trato com certos assuntos, o livro tem esse poder: o poder de tocar o leitor.

Em experiência própria, como é feliz ler um livro capaz de nos relacionar com a ficção, observar a realidade e pensar na verdade dos acontecimentos – dos grandes aos banais.

Entre tantas coisas que Carrascoza diz, ele afirma que as grandes coisas da vida acontecem nos vãos das pequenas coisas. Aos 7 e aos 40 é um livro bonito de se ver e lindo de se ler.

“Depois, enquanto o filho estava no banheiro, foi pegar o pequeno pacote, um presente, guardado há semanas, o game que o menino sonhava, e esse, antes de abri-lo, quando à sala retornaram, só pelo tamanho e formato, adivinhou o que era, e disse, Obrigado, obrigado, pai! e o disse com tanta verdade, que parecia até um exagero para o instante, ou para o tamanho da surpresa, mas, sem que soubesse, com essa ênfase, estava dando também ao pai uma dádiva, estava se dando a ele, e era só o que o homem precisava e tudo o que o menino podia dar.”

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