Brás, Bexiga e Barra Funda, de Antônio de Alcântara Machado

Há 463 anos, lá em 1554, nascia a cidade de São Paulo. Fundada por padres jesuítas, o principal centro corporativo, financeiro e mercantil da América do Sul sempre foi (e é cada vez mais) influência mundial quando se fala em política, economia e cultura.

A cidade mais populosa do Brasil, e uma das mais populosas do mundo, é também uma das cidades mais globalizadas do planeta. Figurando a lista dos maiores PIBs do mundo, São Paulo espalha museus, parques e importantes monumentos, além de acomodar grandes eventos de repercussão mundial.

As metrópoles da cidade oferecem o caráter cosmopolita. Em 2016, São Paulo agregou moradores nativos de mais de 190 países diferentes. Assim como o Brasil, a representativa cidade também é destaque quando se fala em diversidade. E se voltarmos ao tempo, logo nos deparamos com os muitos imigrantes de todas as regiões do mundo que ajudaram a formar o que São Paulo é hoje.

Mas, na verdade, se quisermos falar especificamente dos italianos, é só passear entre o Brás, Bexiga e Barra Funda.


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Publicado em 1927, Brás, Bexiga e Barra Funda apresenta um olhar sobre os “Italianinhos de São Paulo”, os imigrantes italianos que se instalaram nos bairros que dão nome ao livro.

Brás, Bexiga e Barra Funda é um retrato de São Paulo em sua época de imigração. As dificuldades da vida do imigrante em pleno anos 1920 são brevemente relatadas na tentativa (bem-sucedida) de mostrar o cotidiano da colônia italiana de São Paulo em meio à decadência da família tradicional.

Brás, Bexiga e Barra Funda é uma coletânea de contos, mas Antônio de Alcântara Machado não quer que seja encarada assim. O livro deve ser lido como se fosse um jornal e os textos como artigos e notícias.

“O Nino veio correndo com a bolinha de meia. Chegou bem perto. Com o tronco arqueado, as pernas dobradas, os braços estendidos, as mãos abertas, Gaetaninho ficou pronto para a defesa.
– Passa pro Beppino!
Beppino deu dois passos e meteu o pé na bola. Com todo o muque. Ela cobriu o guardião sardento e foi parar no meio da rua.
– Vá dar tiro no inferno!
– Cala a boca, palestrino!
– Traga a bola!
Gaetaninho saiu correndo. Antes de alcançar a bola um bonde o pegou. Pegou e matou.
No bonde vinha o pai de Gaetaninho.”

Em uma linha tênue entre a crônica e a notícia, entre o conto e o artigo, os 11 textos da obra são curtos e não se alongam em descrições de personagens ou cenários. A narrativa valoriza o retrato da cidade de São Paulo, citando nomes de ruas e bairros, além de focalizar na luta das pessoas que ali tentam se adaptar.

Investindo nos diálogos, os contos do livro predominam em discurso direto. A expressividade caracteriza a linguagem coloquial que, por sua vez, indica o momento literário da publicação. Brás, Bexiga e Barra Funda é da primeira fase do Modernismo, que recusa totalmente a linguagem formal, retórica e esnobe.

O uso de certa linguagem ítalo-brasileira, necessária para o contexto e artefato da proposta da obra, apresenta, talvez indiretamente, o processo de abrasileiramento do italiano.

“Sua impressão: a rua é que andava, não ele. Passou entre o verdureiro de grandes bigodes e a mulher de cabelo despenteado.
– Vá roubar no inferno, Seu Corrado!
Vá sofrer no inferno, Seu Nicolino! Foi o que ele ouviu de si mesmo.
– Pronto! Fica por quatrocentão.
– Mas é tomate podre, Seu Corrado!
Ia indo na manhã. A professora pública estranhou aquele ar tão triste. As bananas na porta da QUITANDA TRIPOLI ITALIANA eram de ouro por causa do sol. O Ford derrapou, maxixou, continuou bamboleando. E as chaminés das fábricas apitavam na Rua Brigadeiro Machado.
Não adiantava nada que o céu estivesse azul porque a alma de Nicolino estava negra.”

Falar da Itália dentro da cidade de São Paulo é falar também da cultura. Por isso, os personagens que protagonizam os textos do livro vão de costureiras a comerciantes, de crianças vítimas do preconceito a jovens trabalhadores, de senhores nobres e falidos a italianos ricos e soberbos. A família italiana é bem representada assim como grandes “tipos” de características caricatas.

Obra mais famosa do escritor brasileiro Antônio de Alcântara Machado, Brás, Bexiga e Barra Funda fala da luta do italiano contra a pobreza e também de sua ascensão social; mostra a falta de atenção da cidade com as crianças e a integração do imigrante com o brasileiro; é uma espécie de crítica social que focaliza no retrato de uma cidade em exato momento de recepção dos “carcamanos” que lhe ajudaram a crescer.

“Proprietário de mais dois prédios à Rua Santa Cruz da Figueira, Tranquillo Zamponetti fechou o salão (a mão já lhe tremia um pouquinho) e entrou para o sócio comanditário da Perfumaria Santos Dumont.
Então já dizia em conversa no Centro Político do Brás:
– Do que a gente bisogna (precisa) no Brasil, bisogna mesmo é d’un buono (de um bom) governo, mais nada.
E o único trabalho que tinha era fiscalizar todos os dias a construção da capela da família no cemitério do Araçá.”

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