A Metamorfose, de Franz Kafka

A Metamorfose, de Franz 2Nunca imaginei que compraria um Kafka por vontade própria. Nunca. Já sabia um pouco sobre a fama desse autor. Já havia pesquisado sobre sua obra. Mas comprar um de seus livros por livre e espontânea vontade, não. Mas também não foi tão espontânea assim…

Comprei um Kafka quando cursava Jornalismo. Um professor do curso abriu um grupo de leitura e o interesse veio de cara. Primeiro encontro, primeiro dia, primeira leitura: Kafka.

A escolha parecia ser um jeito de falar: “Vamos começar com tudo”. E que tudo!

Não tinha o tal livro na minha estante e, com o primeiro encontro do grupo de leitura marcado, fui comprá-lo. O livro era fino, não precisaria de muito tempo para terminá-lo. O que eu não sabia, por nunca ter lido Kafka, é que A Metamorfose era um pesadelo.


Compre na Amazon: http://amzn.to/2cpHahI


Veja bem… Ler Kafka é desconfortante. Essa sensação incômoda, que lhe toma durante toda a leitura da obra de Kafka, é altamente intencional. E isso tem lá o seu lado bom.

A narrativa de Kafka, pelo menos em A Metamorfose, não é difícil. A leitura é fácil, a linguagem é clara. O problema é que Kafka atordoa. A história que Kafka tem para contar é impetuosamente trepidante.

“Agora Gregor não comia quase mais nada. Só quando por acaso passava pela comida posta para ele é que mordia por brincadeira um bocado, conservava a porção na boca durante horas e depois, na maioria das vezes, a cuspia fora. Penso a princípio que era a tristeza pelo estado do seu quarto que o impedia de comer, mas foi justamente com as mudanças ocorridas nele que se reconciliou bem cedo.”

Aos que desconhecem a história, vou resumir em duas frases – e você vai ver que é o suficiente para entender o desconforto que o enredo causa ao leitor.

Gregor Samsa é um jovem trabalhador que, certo dia, acorda com uma sensação estranha. Inexplicavelmente, ele está transformado em um inseto horrendo, gigante e medonho.

É assim que Kafka abre o livro, resumindo essa absurda situação em uma única frase:

“Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso.”

Contrariando o comum, Kafka já joga ao leitor o conflito principal na primeira frase do livro. Mas não é só essa abertura que marca a narrativa do autor tcheco em A Metamorfose.

Durante toda a obra, Kafka é muito frio ao contar a história que ronda A Metamorfose. Depois da pancada de “[…] encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso”, o tom da narrativa que segue é muito tranquilo, sem ápices e sobressaltos. É tudo muito natural!

E o absurdo da história de Kafka vai além. Gregor, o personagem principal, que acorda e se vê como um inseto, não está sonhando. Ele é transformado em um asqueroso inseto e isso é verdade. É a dura vida real.

“Entretanto, quando mais uma vez, depois de esforço igual, ficou deitado na mesma posição, suspirando, e viu de novo suas perninhas lutarem umas contra as outras, possivelmente mais que antes, e não encontrou nenhuma possibilidade de imprimir calma e ordem àquele descontrole, disse novamente a si mesmo que era impossível continuar na cama e que o mais razoável seria sacrificar tudo, caso existisse a mínima esperança de com isso se livrar dela.”

Depois de convencer o leitor disso, que o personagem virou um inseto e é assim que ele vai permanecer, Kafka relata as consequências dessa transformação na vida familiar de Gregor. O negócio é que o personagem é a pessoa que proporciona à família a confortável vida que eles têm. E a organização familiar de Gregor é obrigada a se adaptar àquela nova condição.

Gregor, inseto, coitado, sem poder falar, assiste a grande e drástica mudança com culpa e tristeza. O provedor vira parasita, literalmente.

“Mas Gregor não tinha a menor intenção de causar medo a ninguém, muito menos à irmã. Simplesmente havia começado a girar o corpo para voltar ao seu quarto e isso de qualquer modo chamava a atenção, uma vez que, em consequência do seu estado enfermiço, precisava, na difícil manobra, ajudar com a cabeça, que ele levantava várias vezes e batia contra o chão.”

O que Franz Kafka nos faz pensar, por fim, é que essa metamorfose que afeta Gregor e sua família pode ser parecida com qualquer outra mudança que as famílias comuns possam vir a sofrer, de doenças a demissões.

A transformação de Gregor em um inseto monstruoso é narrada à la Kafka. Além do nojo e do medo, o autor corrói o leitor em pensamentos profundos.

No final das contas, não consegui ir ao primeiro encontro do grupo de leitura. Mas a obra de Kafka fez jus à fama. Ela lhe toma de forma impregnante.

“Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso. Estava deitado sobre suas costas duras como couraça e, ao levantar um pouco a cabeça, viu seu ventre abaulado, marrom, dividido por nervuras arqueadas, no topo de qual a coberta, prestes a deslizar de vez, ainda mal se sustinha. Suas numerosas pernas, lastimavelmente finas em comparação com o volume do resto do corpo, tremulavam desamparadas diante dos seus olhos.

– O que aconteceu comigo? – pensou.”

Deixe um comentário