Joaquim Maria Machado de Assis, carioca de 1839. Em seus quase 70 anos de vida, consagrou-se como romancista, cronista, contista, folhetinista, poeta, dramaturgo, jornalista e crítico literário. O escritor foi e é até hoje por muitos considerado o maior autor da literatura brasileira e um dos grandes nomes da literatura mundial.
De família pobre e estudos precários, Machado de Assis assumiu cargos públicos pela intelectualidade natural. Publicou seus primeiros textos em jornais até fundar a Academia Brasileira de Letras. Em números: nove romances e peças teatrais, cinco compilações de poemas, duzentos contos e mais de seiscentas crônicas. Em foco, nesta resenha: Memórias Póstumas de Brás Cubas, obra que deu ao Machado de Assis o posto de introdutor do Realismo no Brasil.
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O menor dos spoilers, o mais óbvio fato: Brás Cubas está morto. É ele o narrador da história e, como diz o título, são essas as suas memórias póstumas. Pois é depois de morto que o personagem resolve nos contar sua vida.
Na narrativa póstuma de sua trajetória, Brás Cubas discorre e opina sobre as questões que quer discutir e faz isso sem receio de julgamentos alheios. Da infância até a juventude, depois até o fim de sua existência, o personagem fala sobre sua vida nos mais diversos aspectos e com as mais devidas lembranças. Quincas Borba, Prudêncio, Dona Eusébia, Eugênia, Marcela, Virgília, Lobo Neves, Cotrim, Nhã-Loló. São muitos os personagens que marcaram a vida de Brás Cubas.
Relacionamentos e envolvimentos, carreira política e ação beneficente. Tudo pano de fundo para uma história que é, em essência, melancólica. O fim de Brás Cubas é inevitável e conhecido.
“A razão não podia ser outra senão o momento oportuno. Não era oportuno o primeiro momento, porque, se nenhum de nós estava verde para o amor, ambos o estávamos para o nosso amor: distinção fundamental. Não há amor possível sem a oportunidade dos sujeitos.”
Produzido inicialmente como folhetim, Memórias Póstumas de Brás Cubas foi publicado como livro em 1881. Marcando um novo estilo de Machado de Assis, a obra é inovadora para a literatura nacional não só pela temática, mas também pela narrativa que deixa de ser linear para tratar de um cenário da maneira mais pessimista e indiferente possível, dando início, assim, ao chamado Realismo brasileiro.
Com entradas para a escravidão e para a luta de classes sociais, o livro também tenta criar uma nova filosofia, o Humanitismo, uma lei (satírica) melhor desenvolvida posteriormente no romance Quincas Borba, de 1891.
Memórias Póstumas de Brás Cubas é considerada uma das obras mais revolucionárias da literatura nacional, sendo chamada até de primeira narrativa fantástica do Brasil.
“Saí, afastando-me dos grupos, e fingindo ler os epitáfios. E, aliás, gosto dos epitáfios; eles são, entre a gente civilizada, uma expressão daquele pio e secreto egoísmo que induz o homem a arrancar à morte um farrapo ao menos da sombra que passou. Daí vem, talvez, a tristeza inconsolável dos que sabem os seus mortos na vala comum; parece-lhes que a podridão anônima os alcança a eles mesmos.”
O defunto mais falado da literatura brasileira, Brás Cubas, defunto-autor, não autor defunto, como o próprio faz questão de afirmar, não quer ser um grande escritor morto e sim um morto capaz de escrever.
Para ler essas memórias póstumas, há de se entender isso e não rebater tal questão. Brás Cubas, afinal, é obra de Machado de Assis, um gênio da literatura e também, é claro, da ironia. Afinal, Brás Cubas se ausenta de culpabilidades ao encerrar suas memórias dizendo que não teve filhos para não transmitir “a nenhuma criatura o legado da nossa miséria”.
“Agora, quero morrer tranquilamente, metodicamente, ouvindo os soluços das damas, as falas baixas dos homens, a chuva que tamborila nas folhas de tinhorão da chácara, e o som estrídulo de uma navalha que um amolador está afiando lá fora, à porta de um correeiro. Juro-lhes que essa orquestra da morte foi muito menos triste do que podia parecer. De certo ponto em diante chegou a ser deliciosa. A vida estrebuchava-me no peito, com uns ímpetos de vaga marinha, esvaía-se-me a consciência, eu descia à imobilidade física e moral, e o corpo fazia-se-me planta, e pedra e lodo, e coisa nenhuma.”