Paddy Clarke Ha Ha Ha, de Roddy Doyle

paddy-clarke-ha-ha-ha-de-roddy-doyle-2Paddy Clarke Ha Ha Ha é uma viagem. Uma viagem à Irlanda da década de 1960. Uma viagem à infância, à infância de um menino de 10 anos. Um menino que vive em Dublin, um menino irlandês que, como toda criança, respira imaginação. Um menino que leva a vida fácil que é a vida de uma criança. Mas… Quem disse que toda vida de criança é fácil? Paddy Clarke é um menino como todos somos ou poderíamos ser.

Somos todos Paddy Clarke.


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Romancista, dramaturgo e roteirista, Roddy Doyle é o autor irlandês responsável por Paddy Clarke Ha Ha Ha, livro que concedeu ao escritor o Booker Prize de 1993. A obra do autor é muito famosa pelos arredores de Dublin e o livro em questão figurou como o mais vendido, durante meses, na Irlanda e na Grã-Bretanha.

Paddy Clarke Ha Ha Ha é uma narrativa de infância. É um livro que desperta no leitor alguns questionamentos. Um deles, nostálgico: o que é possível viver em uma infância? Um segundo, sensível: até onde vai a imaginação de um garoto de 10 anos? Um terceiro, incômodo: é possível fugir da realidade?

“As paredes da sala tremiam. O prédio em que estávamos era pré-fabricado e ficava atrás do prédio principal da escola. Dava para entrar embaixo do assoalho. O verniz descascava por causa do sol. Dava para a gente retirá-lo com as mãos. Só conseguimos uma sala no prédio de verdade um ano depois, quando mudamos para a classe de Henno. Adorávamos marchar. Dava até para sentir as tábuas do assoalho vibrando sob os nossos pés. Botávamos tanta força nas pisadas que esquecíamos de manter o ritmo. Ela nos mandava marchar duas vezes por dia, quando dizia que começávamos a ficar preguiçosos.”

Paddy Clarke é o máximo da meninice. Um garoto que torce, que encena, que cria, que inventa, que imagina, que brinca, que pensa, que teima, que aceita, que quer ter, que quer ser, que quer muita coisa e é. Um menino que vive sua infância como pode. E está tudo bem assim.

“Quando índios morrem – os peles-vermelhas – vão para um campo de caça mágico. Os Vikings iam para o Valhalla quando morriam ou eram mortos. Nós vamos para o Céu, ou para o Inferno. A gente vai para o Inferno se tiver um pecado mortal na alma antes de morrer, mesmo que esteja a caminho da igreja para se confessar e seja atropelado por um caminhão. Antes de ir ao Céu, a gente tem que passar pelo Purgatório para se livrar dos pecados da alma, talvez por uns milhões de anos. O Purgatório é como o Inferno, só que não é para sempre.”

Os personagens que rodeiam a história de Paddy Clarke são todos muito reais em suas figuras. A família, o pai, a mãe, os irmãos. Os colegas de classe, os professores. Os amigos, os vizinhos. A relação de Paddy Clarke com os outros, com quem faz parte do seu dia-a-dia, da sua convivência, é muito bem tratada.

Mais: tudo é muito bem narrado. A narrativa do livro é o grande trunfo da obra. Paddy Clarke é o narrador; e não poderia ser diferente. Paddy Clarke Ha Ha Ha é um daqueles livros que chamam atenção pelo fato de ter como narrador uma criança. A narrativa da obra é tão pueril que dá à ela o seu segredo. Além do segredo da infância, que o menino Paddy Clarke transpassa ao leitor, é significativa a construção do narrador durante a obra. Uma construção que é também do personagem e, por fim, de toda a história.

Paddy Clarke narra e descreve sua vida da forma que nela vive. Acima de tudo, a inocência original da criança sempre prevalece.

“- Eu vou para a África.

– Ah é? Por quê?

– Porque sim – eu disse. – Tenho minhas razões.

– Para catequizar os bebezinhos negros?

– Não.

Não dava a mínima para os bebezinhos negros; devia sentir pena deles, porque eram pagãos e famintos, mas não me importava. Eles me assustavam, a ideia deles, todos eles, milhões deles, com a barriga enorme e os olhos esbugalhados.

– E por que então? – perguntou.

– Para ver os animais – respondi.

– Ah, isso é legal – disse ela.

– Mas não para ficar – eu disse.

Ela não deveria dar minha cama para ninguém.”

Cômico e terno. O livro de Roddy Doyle tem uma proposta forte que é bem sucedida: a linha tênue entre a visão idealizada da vida de uma criança e a realidade ali vivida.

A realidade do menino irlandês é, de alguma forma, a realidade de muitas crianças de todo o mundo. É triunfal a transformação do enredo que acontece nesse traço entre a imaginação e a realidade.

“Ele era assim, nosso pai. De vez em quando ficava ruim e malvado, sem nenhuma razão. Não deixava a gente assistir à televisão e, outras vezes, sentava no chão ao nosso lado e assistia aos programas com a gente, mas nunca por muito tempo. Estava sempre com pressa, dizia. Mas geralmente só ficava sentado em sua poltrona.”

Paddy Clarke é o garoto que o leitor precisa conhecer. Ao integrar a vida do menino, ao presenciar acontecimentos e vivenciá-los com ele – pois a realidade dele é muito bem montada –, o leitor de Paddy Clarke Ha Ha Ha ganha, afinal, um presente. Paddy Clarke e o leitor viram melhores amigos.

“Eles brigavam o tempo todo agora. Não diziam nada, mas era briga. Só a maneira como ele dobrava o jornal e batia nas folhas já era reveladora. A forma com que ela se levantava para atender uma das meninas chorando no andar de cima, suspirando e se curvando, querendo que ele visse que ela estava cansada. Havia algo ali. Eles talvez achassem que estavam escondendo da gente.

Não conseguia entender. Ela era tão boazinha. Ele era legal. Tinham quatro filhos. Eu era um deles, o mais velho. O homem da casa, quando papai não estava lá. Ela nos abraçava mais apertado agora, nos agarrava e olhava para cima ou para o chão. Não percebia quando eu tentava me soltar; já era grande demais para isso. Na frente de Simbad. Ainda adorava o cheiro dela. Mas não estava nos abraçando. Estava se apoiando na gente.”