O Casamento, de Nelson Rodrigues

o-casamento-de-nelson-rodrigues-2Chegou a vez de Nelson Rodrigues, um dos mais polêmicos escritores brasileiros – se não o mais. Aquele que é – se não o mais também – um dos maiores dramaturgos do Brasil. Aquele que marcou a literatura nacional com suas peças imorais, vulgares e obscenas. Aquele que além do teatro, estava também nos jornais, escrevendo crônicas esportivas. Aquele que é criticado e venerado, amado e odiado. Reacionário considerado, conservador assumido, pervertido apontado.

Se nada é novidade na literatura de Nelson Rodrigues, O Casamento é uma esculhambação em forma de livro.


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Vou citar aqui alguns dos temas que Nelson Rodrigues aborda em O Casamento: homofobia, traição, racismo, prostituição, parricídio, incesto, sexo sadomasoquismo, tortura, agressão física à mulher, agressão física à criança, assassinato, suicídio, voyeurismo, extorsão, chantagem, machismo e estupro de menor com epilepsia.

Veja bem… Se tudo isso junto e agrupado é pesado em 2016, imagina no meio da ditadura militar. Pois é! O Casamento foi censurado dois meses depois de publicado. Por que será? E olha que o Nelson Rodrigues não entendeu a proibição, ficou “pálido de espanto”.

Publicado em 1966, O Casamento é o único romance que o autor pernambucano assinou com seu próprio nome, sem recorrer a pseudônimos.

Escrachando tabus e esculachando obsessões, Nelson Rodrigues fez de O Casamento um dos livros mais polêmicos da literatura brasileira.

“- De vez em quando eu tenho asco de mulher. O sujeito deve usar a mulher e dar-lhe um pontapé na bunda.

Glorinha suspira:

– Não gosto de mulher.

O rapaz dá um murro no volante:

– Você não gosta de mulher. Eu também não gosto de mulher. Ninguém gosta de mulher. (…)”

A história começa quando o ginecologista de Glorinha, o Dr. Camarinha, conta para Sabino, o pai de Glorinha, que surpreendeu seu futuro genro, Teófilo, beijando seu assistente na boca. É véspera do casamento de Glorinha e, na dúvida se revela ou não o ocorrido, Sabino vira sua vida de ponta cabeça.

Num vai e volta de pensamentos dos personagens, Nelson Rodrigues constrói a história formando as cenas mais desconfortáveis de se ler.

O Casamento escancara a organização da família, põe à mostra uma sociedade “doente”. O Casamento é uma grande crítica à moral da sociedade. Mas produzido no jeito mais avacalhador possível.

“Apertou-a, no peito, como num adeus. Como se o casamento, no dia seguinte, fosse a morte da filha. Beijou-a muitas vezes, na face, na testa, na orelha (pela primeira vez, a beijava na orelha). Passou a mão pelas suas costas. E quase, sem querer, ia acariciando as nádegas.”

Escrito na forma trágica de Nelson Rodrigues, a obra é composta de pequenas tragédias que vão se acumulam até virar uma imensa bola de neve. Explorando a tragédia grega, capturando resquícios da experiência do autor com as peças teatrais, a narrativa do romance comporta certo senso de humor, mesmo que seja um humor meio negro.

Li O Casamento concomitantemente com O Beijo no Asfalto, uma das peças de Nelson Rodrigues. O caso é: os temas escolhidos pelo escritor brasileiro para compor suas obras são recorrentes em várias delas, mas considero O Casamento uma junção de todos esses temas.

Num juízo moralista, Nelson Rodrigues não tem juízo nenhum. O Casamento poderia ser considerado, talvez, uma síntese da obra do escritor. Corajoso por criar tal história no meio da ditadura, foi alvo fácil da censura. Exatamente sem censura, de leitura absurdamente chocante, O Casamento é assim… Um absurdo. Pior: uma grande e explícita polêmica no melhor estilo rodrigueano de ser.

“Convidara todo mundo, metade do Rio de Janeiro. Um dos padrinhos era o Ministro e senhora. Casamento a rigor. Pela primeira vez, ia usar casaca. E imaginava a cara do Ministro, sobretudo do Ministro, se, de repente, em cima da hora, não houvesse mais casamento. Pagava aos cronistas sociais – pagava! – para dar notinhas. Afinal de contas, o casamento já é indissolúvel na véspera.”