Stoner, de John Williams

Stoner, de John Williams 2O tempo foi bom com Stoner. O tempo fez bem a Stoner.

Stoner é um livro publicado em 1965. Escrito pelo americano John Williams, o livro vendeu, na época, duas mil cópias e desapareceu. É… Desapareceu. Foi lançado, pouco resenhado, não virou sucesso de vendas e saiu de catálogo.

Em 2006, 41 anos depois do lançamento da obra, um artigo no jornal The Guardian, escrito pelo autor irlandês Colum McCann, chamou a atenção da autora francesa Anna Gavalda, que pediu para traduzir o livro. Stoner foi lançado na França em 2011.

O interesse pela obra então aumentou. A edição britânica, fora de catálogo desde 2003, ganhou reimpressão. Em 2013, a Europa se apaixonou por Stoner. E essa paixão vem rodando o mundo.


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Stoner conta a história de William Stoner, um homem, filho de camponeses, que, destinado à humilde vida no campo, decide mudar sua vida. É o seu amor pela literatura que o faz trilhar em um rumo distinto. Stoner torna-se professor universitário.

““Mas você não entendeu, Sr. Stoner?, perguntou Sloane. Você ainda não entendeu mesmo? Você vai ser professor.”

De repente Sloane pareceu muito distante, e era como se as paredes do escritório tivessem recuado. Stoner teve a sensação de estar em pleno ar, e ouviu uma voz perguntar: “O senhor tem certeza?”

“Tenho”, respondeu Sloane suavemente.

“Como o senhor sabe? Como você pode ter certeza?”

“É amor”, disse Sloane animado. “Você se apaixonou. É só isso.””

O livro acompanha 50 anos da vida simples e aparentemente medíocre desse homem. De sua infância até sua morte. (Sim, ele morre. E isso não é um spoiler. O leitor fica ciente disso logo nas primeiras páginas da obra.)

O fato é que a vida de Stoner é uma vida de frustrações. O pacato cotidiano do personagem transforma-se em uma vida insignificante. E essa vida nos toma de uma forma absurda. De leve ou supetão, logo ou demoradamente, o leitor apaixona-se pela banalidade da vida de Stoner.

“Disseram a si mesmo e repetiam um ao outro que estavam mais próximos do que jamais tinham estado e, para a surpresa de ambos, deram-se conta de que isso era verdade, que as palavras que diziam para se reconfortar eram mais do que consoladoras: elas tornaram a proximidade possível e a dedicação, inevitável.”

É exatamente nessa banalidade que está o segredo do livro. A história é uma história comum. O personagem é um personagem comum. O trabalho dele é comum. A cidade onde mora é comum. Ele convive com pessoas comuns. Mas a narrativa de Stoner transforma o comum em fabuloso.

“Edith continuou a falar e, após um momento, ele começou a ouvir o que estava dizendo. Anos depois lhe ocorreria que durante aquele primeiro encontro com ela, naquela hora e meia de uma fria noite de dezembro, Edith lhe contara mais sobre si mesma do que jamais voltaria a contar. E, quando eles se despediram, sentiu que eram estranhos um ao outro de um jeito que para ele era inconcebível, e soube que estava apaixonado.”

John Williams (1922-1994), o autor da obra, foi professor de literatura na Universidade do Missouri. É comum, portanto, pequenas relações do criador com o personagem. A narrativa de Williams é exatamente como a história da obra. De tão simples, é extremamente chamativa. Isso porque é bem contada.

Stoner fala sobre humildade e sentimento, amor e casamento, família e paternidade, trabalho e amizade, envelhecimento e decisões, vida e morte. É um livro sobre redenção. Mas também é um livro sobre literatura e educação. Sobre ensino e aprendizagem, profissional e pessoal.

“Ficou ao mesmo tempo entristecido e encorajado pela sua descoberta do que era capaz de fazer. Sentia que, mesmo sem querer, estava enganando tanto seus alunos quanto a si mesmo. Os estudantes que tinham conseguido sobreviver à monotonia de suas aulas sempre iguais começaram a olhá-lo com perplexidade e ressentimento; aqueles que não se haviam matriculado em suas disciplinas começaram a vir a suas aulas e a cumprimentá-lo nos corredores. Stoner falava com mais confiança e sentiu uma severidade dura e calorosa crescer dentro dele. Teve a impressão de que estava começando, com dez anos de atraso, a descobrir quem era, e a pessoa que via era ao mesmo tempo mais parecida e mais diferente do que imaginara. Sentia que finalmente começava a ser um professor de verdade, ou seja, simplesmente um homem que comunica o próprio saber, e cuja profissão o infunde de uma dignidade que não tem nada a ver com a insensatez, as fraquezas e os limites de sua vida privada. Era um conhecimento que não conseguia expressar, mas que o transformou assim que o adquiriu, de uma tal forma que ninguém poderia deixar de perceber.”

Há personagens na história de Stoner que são verdadeiros enigmas. Há tanta injustiça no mundo de Stoner que nos faz refletir sobre as decisões. As decisões do personagem e as nossas próprias decisões.

Stoner é uma leitura comovente. Por vezes, amamos. Por outras, odiamos. Em certos momentos, admiramos. Em outros, desistimos. Às vezes, aprovamos. Outras vezes, queremos pegar Stoner pelo colarinho e gritar: PARA!

O tempo foi bom com Stoner. O tempo fez bem a Stoner. Ao livro Stoner. Ao personagem, não.

Será possível existir uma vida tão imperfeita e tão real? Daí lembramos que é só ficção. Mas, não. Existe!

Até que ponto nossas vidas também podem ser tão insignificantes como a de Stoner?

“Ele chegara àquela idade em que, com crescente intensidade, ocorria-lhe sempre a mesma pergunta, de tão essencial simplicidade que não dispunha de meios para enfrentá-la. Via-se perguntando a si mesmo se sua vida valia a pena ser vivida. Se alguma vez valera. Era uma pergunta, suspeitava, que mais cedo ou mais tarde ocorria a todos os homens. Mas se perguntava se ocorreria aos outros com tamanha força impessoal como viera a ele. A pergunta trazia consigo certa tristeza, mas era uma tristeza difusa que – ele achava – pouco tinha a ver com ele ou com seu destino em particular. Nem mesmo tinha certeza se a pergunta fora provocada pelas mais imediatas e óbvias causas, ou seja, pelo que a sua própria vida se tornara. Vinha, segundo ele, do acúmulo dos anos, da densidade dos infortúnios e das circunstâncias e do que tinha compreendido deles. Sentia um prazer triste e irônico ao pensar que o pouco conhecimento que conseguira adquirir o levava a essa conclusão, e que, no fim das contas, todas as coisas, até mesmo tudo que tinha aprendido e que permitia que ele compreendesse isso, eram fúteis e vazias, por fim reduzidas a um nada que não conseguiam alterar.”

Stoner nos mostra a beleza da vida simples. Ler Stoner é torcer continuamente. Torcer sem saber exatamente para quê. Acima de tudo, torcer por uma vida. Uma vida que poderia ser a nossa.

“E sentiu também, com aquela respiração, algo que se deslocava dentro dele, no fundo, e ao se deslocar, fazia parar alguma outra coisa, fixando sua cabeça de um jeito que ela não conseguia mais se mexer. Depois a sensação passou, e ele pensou: então é assim que é.”