A Garota no Trem, de Paula Hawkins

A Garota no Trem, de Paula Hawkins 2Todo dia ela pega o mesmo trem, na mesma hora, para o mesmo lugar. Passa pelo mesmo caminho, faz o mesmo percurso. Em certo trecho, quando o trem para no sinal vermelho, ela observa, de dentro do vagão, olhando pela janela, a casa de número 15. Diariamente e diariamente e diariamente. Vira obsessão.


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Rachel é o nome dela. E é nessa rotina que somos inseridos ao ler A Garota no Trem. Nessa monomania, Rachel imerge numa fértil imaginação e cria a história daquele casal que tanto observa, os habitantes da casa de número 15. Jess e Jason são os nomes deles. Quer dizer… Segundo Rachel.

Rachel é capaz de criar e recriar a vida do casal de forma surpreendente. Quando testemunha uma cena que foge daquela normalidade que estava acostumada, Rachel paralisa. E o trem segue viagem.

“- De manhã, embarco no trem das 8h04, e, na volta, pego o das 17h56. É o meu trem. É nele que viajo. É assim que as coisas são.”

Dias depois, Rachel descobre que Jess está desaparecida. Jess, na verdade, é Megan.

Rachel não consegue ficar de fora da situação e vai à polícia contar o que viu de dentro daquele trem. O problema é que ela acaba não só participando dessa sucessão de acontecimentos, mas também acaba envolvida diretamente nesse caso alheio. A intrometida vira peça central.

“Eles formam um par, uma dupla. São felizes, está na cara. São o que eu era (…) São o que perdi, são tudo o que eu quero ser.”

A partir daí, vamos conhecendo, aos poucos, o mundo em que Rachel vive e quem Rachel realmente é. A garota que queria “dar um jeito na sua vida”, de passado marcante, nos é apresentada por seus pensamentos, que são muitos. Ficamos a par da vida de Rachel de uma forma que não queremos sair até o final do livro.

Problema com bebida, controle de sentimento, abalo de memória, carência compulsiva, mentira natural. Em Rachel, há uma infelicidade instável que mexe com a cabeça de qualquer um.

Rachel, a garota do trem, em dado momento da história, deixa de ser a garota no trem, “indo e vindo sem motivo ou propósito”. Numa vida de problemas, onde ser quem é já parece ser um problema, ela se mete em um problema maior ainda.

“No trem a caminho de casa, ao analisar tudo o que deu errado hoje, fico surpresa por não estar me sentindo tão mal. Pensando bem, já sei por quê: não bebi ontem à noite, e não sinto vontade de beber agora. Estou interessada, pela primeira vez em muito tempo, em algo que não seja minha própria desgraça. Tenho um objetivo. Ou, pelo menos, tenho uma distração.”

O grande negócio de A Garota no Trem é que não é só Rachel que conhecemos e somos apresentados e convivemos página por página. Como se fosse o outro lado da moeda, nos aproximamos profundamente também de Megan, a Jess de Rachel, a moça do casal habitante da casa de número 15, a desaparecida.

E assim como Rachel, entramos na cabeça e na vida de Megan com uma atenção generosa. O passado também assombra Megan – e que passado! Há mistério na história de Megan.

“Tive um professor no colégio que me disse que eu era mestre em me reinventar. Na época, não entendi exatamente o que ele quis dizer com aquilo, achei que estava me zoando, mas depois comecei a abraçar a ideia. Fugitiva, amante, esposa, garçonete, gerente de galeria, babá, e outras coisas no decorrer do caminho. Quem será que eu vou querer ser amanhã?”

Aflição inquieta, consciência sonhadora, rejeição violenta, confiança absoluta, insegurança e culpa. Quanta culpa. Em Megan, há – também – uma instabilidade capaz de altos transtornos.

E ainda tem Anna, outra mulher que também vamos conhecendo um pouco mais ao longo da história. Uma entrada que demorei a aceitar. Perguntava-me: “por que estão me incluindo na vida de Anna também? Já não basta Rachel e Megan?”. Mas, ao final, aceitei. Não há comparação entre Anna e Rachel e Megan, quanto à importância para o enredo. Mas entendi.

“Então fico pensando que às vezes isso acontece, não é? Gente com quem se tem uma história em comum acaba não saindo da sua vida, e, por mais que você tente, não consegue se desapegar, se libertar. Talvez, depois de algum tempo, pare até de tentar.”

A Garota no Trem é uma história de suspense absoluto. No começo, cismei com a narrativa. Achava que aquela história poderia ser contada de outro jeito. Mas não resisti. Entrar na mente dessas mulheres é uma coisa de louco. Coisa de louco, aliás, é uma ótima definição para A Garota no Trem.

Envolvente, compulsivo, viciante talvez. Mas é assim que as personagens da história são: envolventes, compulsivas e viciantes. Além de distúrbios e problemas, de mentalidades e loucuras, A Garota no Trem é um quebra-cabeça de reviravoltas.

Dizem que é um “thriller psicológico”. Em minha opinião, o “psicológico” está muito maior que o “thriller”. Paula Hawkins, autora da obra (A Garota no Trem, lançado em 2015, é o primeiro romance da escritora britânica), moderou bastante no quesito terror. Cheia de abusos psicológicos, a história é muito bem ponderada quanto a abusos “assustadores”. Muito mais suspense do que terror, A Garota no Trem é um prato cheio de loucura a ser devorado. E vem filme aí, ainda nesse ano de 2016!

“Perdi o controle sobre tudo, até sobre os lugares dentro da minha cabeça.”

2 comentários sobre “A Garota no Trem, de Paula Hawkins

  1. Adorei a resenha Ti! Como sempre muito elegante! O que mais me incomodou foi o plot previsível, na metade do livro eu já sabia como seria. Acho que o problema talvez tenha sido o esforço da autora pra desviar atenção, logo pensei, se ela não quer que eu pense isso, provavelmente esse é o plot. E me incomodou um pouco também as motivações rasas. O que acha sobre isso?

    Beijos*

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    • Oi Grazi, tudo bem? Tem razão, essa questão da previsibilidade acentua em alguns momentos, principalmente da metade do livro para o final, né? Mas, no todo, achei a construção do enredo boa. Sobre as motivações, bom… Os personagens da história não são lá, digamos, muito estáveis né? rsrs Vamos ver como será o filme! Beijos 🙂

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