Ensaio Sobre a Lucidez, de José Saramago

Falar de Saramago já não é fácil… Agora, falar de Ensaio Sobre a Lucidez é mais difícil do que eu pensava. É um livro denso. Insensatamente denso. Difícil, cansativo, pesado. Mas é Saramago.

Acompanhe comigo: Imagine que estamos em ano eleitoral. É dia de eleição. O que se faz em um domingo de eleição? Todos os brasileiros saem de suas casas e vão votar. Certo? Pois imagine que isso não acontece.


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Grande parte – e quando eu digo grande, é grande mesmo, quase todos – não fazem isso. É dia de eleição e a população quase que inteira decide simplesmente não votar. Revolucionário, não?

O choque é tão grande que o que as autoridades eleitorais fazem… Remarcam a eleição para o dia que seria um possível “segundo turno”. Ótimo! Afinal, naquele dia estava chovendo, ninguém sairia de casa para uma votação desta. (contém ironia)

Pois bem. Novo dia de eleição. E agora sim, a população está saindo de casa para votar. Mas ainda é grande o número de abstenções. Mas não tem problema! “Vamos computar os votos que temos”, eles pensam. O que ninguém esperava é que quase setenta por cento dos votos seriam em branco.

É a partir desse exato ponto/conceito que Ensaio Sobre a Lucidez discorre.

“O segundo eleitor tardou dez minutos a aparecer, mas, a partir dele, se bem que a conta-gotas, sem entusiasmo, como folhas outonais desprendendo-se lentamente dos ramos, os boletins de voto foram caindo na urna.”

O país é um país qualquer. As autoridades eleitorais vivem crises durante toda a obra. A catástrofe atinge instituições e partidos políticos, todos divididos sem conto de fadas. Caiu-se a credibilidade. Privilégios são escancarados. Os eleitores estão cansados com a atual realidade. A essência? Uma manifestação silenciosa, uma indignação popular.

Ameaçados, os governantes, o que fazem? Entregam a cidade a si própria. Abandonam tudo. Isolam a população.

Não me venha falar em absurdos, ok? Pense e repense. Qualquer semelhança…

“A esperança é como o sal, não alimenta, mas dá sabor ao pão (…)”

Ensaio Sobre a Lucidez tem ligação com Ensaio Sobre a Cegueira (primeira resenha aqui do Ser de Livros). Os governantes que vivem a catástrofe dos votos em branco neste livro viveram a catástrofe da cegueira no outro. Personagens se enlaçam entre as obras paralelas. Se o ser humano havia perdido a visão, agora ele NÃO perdera a lucidez.

Em Ensaio Sobre a Lucidez, Saramago critica, severa e sarcasticamente, o poder político. Ele usa o símbolo da democracia, que é o voto, para alertar, quase como quem grita, sobre a importância e a necessidade do contínuo questionamento. Lucidez, afinal, é enxergar.

“Voltemos ao sal e à esperança, que quantidade dela será conveniente pôr para não tornar intragável aquilo de que se estava à espera (…)”

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