A Hora da Estrela, de Clarice Lispector

A Hora da Estrela, de Clarice Lispector 2A primeira vez que li A Hora da Estrela foi em 2009. Depois, reli em 2013. E agora li mais uma vez. E acho que só agora, com a terceira leitura, que prestei a devida atenção em aspectos fundamentais da obra de Clarice Lispector. Aspectos fundamentais que formam um livro fundamental.

A Hora da Estrela é o último livro de Clarice Lispector. Por ter pouco menos do que 90 páginas, é considerado uma novela, e não um romance.


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Nascida na Ucrânia, em 1920, naturalizada brasileira, a escritora e jornalista Clarice Lispector tornou-se peça importante para a literatura com seus romances, contos e ensaios. Foi pouco tempo depois da publicação de A Hora da Estrela que Clarice foi hospitalizada e diagnosticada com um tardio e inoperável câncer no ovário. A hora da estrela Clarice havia chegado.

A curta novela, que contém 13 possíveis títulos, toma a atenção do leitor durante todo o enredo. É uma história de desamparo. Desamparo de todos nós.

“Não sabia que era infeliz. É porque ela acreditava. Em quê? Em vós, mas não é preciso acreditar em alguém ou em alguma coisa — basta acreditar. Isso lhe dava às vezes estado de graça. Nunca perdera a fé.”

Alguns dizem que a última obra de Clarice é quase uma extroversão da autora, relacionada constantemente por sua inflexão intimista. Os personagens de A Hora da Estrela nada se parecem com a escritora, mas o narrador da história tem lá suas semelhanças com Clarice.

A história contada no livro é a de Macabéa, nordestina que, depois de perder uma velha tia, vai para o Rio de Janeiro, onde aluga um quarto e consegue um emprego. Uma vida suficiente – mas só para ela.

“A pessoa de quem vou falar é tão tola que às vezes sorri para os outros na rua. Ninguém lhe responde ao sorriso porque nem ao menos a olham.”

Jovem, Macabéa passa horas ouvindo a Rádio Relógio. Altamente impressionável, apaixona-se por Olímpico de Jesus, um metalúrgico também nordestino. Virgem, nunca entende nada muito bem. Explicar as coisas, então, muito menos. Macabéa acredita em tudo que existe. E também no que não existe. Na obediência de representar o papel de ser, é datilógrafa.

“Limito-me a humildemente – mas sem fazer estardalhaço de minha humildade que já não seria humilde – limito-me a contar as fracas aventuras de uma moça numa cidade toda feita contra ela. Ela que deveria ter ficado no sertão de Alagoas com vestido de chita e sem nenhuma datilografia, já que escrevia tão mal, só tinha até o terceiro ano primário. Por ser ignorante era obrigada na datilografia a copiar lentamente letra por letra – a tia é que lhe dera um curso ralo de como bater à máquina. E a moça ganhara uma dignidade: era enfim datilógrafa.”

Rodrigo S.M. é o narrador da história de Macabéa. Por vezes, a humilha. Impacientemente, diz que a moça vive à toa, que é teleguiada exclusivamente por si mesma, que é neurótica, delicada, sensual, nula e miserável. A vida de Macabéa, segundo o narrador, é feita de miséria.

“Há os que têm. E há os que não têm. É muito simples: a moça não tinha. Não tinha o quê? É apenas isso mesmo: não tinha.”

A vaga existência da personagem é levantada diversas vezes durante a narrativa do falso autor. Rodrigo S.M., no entanto, confessa que sente uma enorme necessidade de falar sobre Macabéa.

“Só eu, seu autor, a amo. Sofro por ela.”

Macabéa só quer viver. É um acaso na vida, mas quer viver. É só, mas quer viver. É só e anseia pela solidão. É um momento de encontro consigo mesma; de liberdade.

Parafuso dispensável, Macabéa não reage. Nem à vida nem à miséria que é sua vida.

Macabéa não é ninguém e não é para ninguém. É isso que diz o narrador, seu criador. Pequena, inocente e insignificante, Macabéa, em dado momento, vai até uma cartomante, que lhe prevê um futuro muito diferente do que a própria esperava. Nesse momento, a personagem enxerga a tragédia que é sua vida. Vida que viveu julgando-se ser feliz.

“Macabéa nunca tinha tido a coragem de ter esperança.”

Como já disse o narrador, “quem cai, do chão não passa”.

A verdade é que a história de Macabéa é só um pano de fundo em A Hora da Estrela. A grande atenção do leitor deve ser focada não na falsa protagonista, mas sim em Rodrigo S.M., o narrador.

O discurso metalinguístico, o título que ganha significado só no final do livro. Em meio ao desconforto que o leitor sentirá com a miserável vida descrita de uma nordestina qualquer, são as reflexões sinceras do narrador que importam.

Se Clarice tinha o costume de retratar as epifanias de personagens banais em cenas do cotidiano, sua última obra não é tão distante assim de seu estilo.

No final: Rodrigo S.M. se manifesta; Macabéa se revela; o leitor compreende; e Clarice encontra sua hora. A estrela nunca apagou. Ela continua brilhando.

“A única coisa que queria era viver. Não sabia para quê, não se indagava. Quem sabe, achava que havia uma gloriazinha em viver. Ela pensava que a pessoa é obrigada a ser feliz. Então era.”